Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Vaidades que alumbram num cult francês

'Diamante Bruto' concorreu à Palma de Ouro de 2024 e passou pelo Varilux no Rio | Foto: Laurent le Crabe/Divulgação

Streamings têm assumido um papel essencial para a cinefilia brasileira ao assegurar espaço no país para filmes que o circuito não teve chance de absorver, como comprova a entrada de "O Reformatório Nickel" e "A Ordem" na Prime Video da Amazon. Esta semana, a Mubi, que tem sido um escoadouro de candidatos a cult em nossas telas, garantiu que uma joia garimpada por Cannes, em 2024, encontra-se um pouso seguro entre nós: "Diamante Bruto", da realizadora francesa Agathe Riedinger.

Indicada à Palma de Ouro e exibida em salas lotadas no Festival Varilux, em várias cidades do país, essa reflexão sobre aparência(s) senta praça agora na URL www.mubi.com.

Seu roteiro conversa com um marco da literatura. Ali pelos idos de 1890, "O Retrato de Dorian Gray" ficou de prosa com a sociedade europeia, ganhando o Atlântico e o Pacífico nas ondas das reflexões de Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde (1854 -1900) sobre o preço impagável da beleza eterna. O escambo de almas acaba sempre por entrar na equação financeira da vaidade a qualquer custo.

O tema era inquietante para a vida dos modernos, e segue na mesma linha de alerta pós-modernidade adentro, como se vê no trabalho de investigação antropológico de Agathe em "Diamant Brut" (título original). A produção foi o primeiro título da seleção competitiva de Cannes do ano passado, destacando-se num certame vencido por "Anora". Sua narrativa abriu alas para uma jovem cineasta francófona egressa de curtas-metragens. Não por acaso, a cineasta tratou de questões similares nos 23 minutos de seu "J'Attends Jupiter", que foi lançado em 2018. Estreou no formato longa propondo uma expansão desse filme de outrora - que ficou no radar da crítica.

Amparada pela dionisíaca direção de fotografia de Noé Bach, galvanizada pela montagem de Lila Desiles, seu "Diamante Bruto" lapida uma análise de campo sobre a histeria da fama a todo e qualquer custo, o que exige jovialidade. Sua protagonista, Liane, de 19 anos (interpretada por Malou Khebizi), vive com a mãe e a irmã mais nova num bairro pobre de Fréjus e tem muito cuidado com a sua aparência. Sabe que atrai olhares nas ruas e favorece a objetificação com um intuito de lucrar com ela, numa inversão dos pleitos antimachistas do presente. Administra seu charme como um patrimônio e joga o jogo do sexismo na crença de que ela dá as cartas e vira os dados a seu bel-prazer.

Na ânsia de ser reconhecida, não por vizinhos, mas pela mídia, mira nos reality shows. Acredita que qualquer "Grande Irmão" da TV, com audiência 24 horas a pay-per-view, há de dar a ela o amor que tanto deseja. Um amor em escopo nacional, quiçá continental. É assim que encara o "Big Brother". Cheia de esperança, fez uma audição para a 9ª temporada de "Miracle Island", um programa de enorme sucesso. Para isso, contudo, vai fazer o mesmo que o Dorian Gray de Wilde e vai pactuar com diabos sem qualquer empatia. Os feitos da jovem, à luz da abordagem cítrica e crítica de Agathe, dão margem para um estudo sobre histerias eletrônicas, num mundo que posta falsos sorrisos para se fazer conectar com a posteridade.

Nesta sexta, a Mubi estreia com exclusividade "Magic Farm", nova comédia de Amalia Ulman ("El Planeta"), na qual uma equipe desastrada de documentaristas aterrissa por engano em um vilarejo rural argentino em busca de uma história viral. Chloë Sevigny, Alex Wolff e Simon Rex estão no elenco. No fim do mês,no dia 25, a plataforma traz ao país "Tóxico" ("Akipleša"), de Saule Bliuvaite, lá da Lituânia. O ganhador do Leopardo de Ouro do Festival de Locarno de 2024 gravita entre a perplexidade e a sororidade. Abandonada pela mãe, Maria, de 13 anos, é obrigada a viver com a avó numa cidade industrial deprimente. Durante um confronto violento na rua, ela conhece a aspirante a modelo Kristina. Buscando se aproximar dela, Maria se inscreve numa escola misteriosa que prepara meninas para o principal evento da região. A relação ambígua com Kristina e o ambiente intenso, com ares de culto, da instituição empurram Maria para um processo de autodescoberta - e de implosão.

Em seu rol de títulos permanentes, a Mubi mantém "Titane", de Julia Ducounau, que ganhou a Palma de Ouro em 2021. Encontra-se lá também "Dahomey", de Mati Diop, que rendeu o Urso de Ouro para o Senegal em 2024.