Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Só a força do Hulk pode salvar Indiana Jones

O Hulk Vermelho é a versão mais letal do General Ross nas tramas da Marvel | Foto: Divulgação

Empenhada em prova que filme de super-herói ainda é a maior diversão (e uma fonte de altas receitas), contrariando fracassos recentes (seus e da DC), a Marvel assegurou um fator de prestígio para o esperado "Capitão América: Admirável Mundo Novo", que estreia nesta quinta-feira: Harrison Ford. Aos 82 anos, o eterno Han Solo interpreta o irascível general Thaddeus "Thunderbolt" Ross, papel antes confiado a William Hurt, que morreu em 2022. Ao lidar com o atual Sentinela da Liberdade, antes conhecido como Falcão (papel de Anthony Mackie), Ross faz usa de uma variação dos Raios Gama, a energia que transformava Bruce Banner (Mark Ruffalo) no Hulk, para virar uma criatura tão poderosa quanto ele, só que... vermelho.

A Panini Comics acaba de lançar nas bancas uma antologias de HQs do personagem, que pode renovar as núpcias de popularidade de Ford com a cinefilia contemporânea e trazer prestígio para um fracasso de sua carreira que ninguém engole. Há quase dois anos, Hollywood se pergunta o que deu errado com "Indiana Jones e a Relíquia do Destino", que custou cerca de US$ 290 milhões e faturou US$ 383,9 milhões mundo afora, o que não zera (nem de longe) as contas. Hoje no streaming Disney , a aventura do arqueólogo mais famoso da cultura pop tem uma sobrevida à vista.

Além dos holofotes assegurados por "Capitão América: Admirável Mundo Novo", "A Relíquia do Destino" pode se beneficiar do fato de que seu realizador, James Mangold, está no páreo pelo Oscar 2025, na categoria Melhor Direção, com "Um Completo Desconhecido". A cinebiografia do jovem Bob Dylan, ambientada de 1961 a 1965, com Timothée Chalamet, será exibida pela Berlinale nesta sexta-feira, em sessão fora de concurso (sem conexão com a disputa pelo Urso de Ouro), com a presença do cineasta.

Foi tarefa dele assumir o comando da franquia Indiana Jones substituindo o Midas Steven Spielberg. Teve até sessão de gala do Festival de Cannes no esforço de promover o filme (filmaço, aliás), mas não colheu os frutos que esperava.

Na aritmética de Hollywood, o lucro só vem quando um filme contabiliza três vezes aquilo que custou. Bateu essa meta, lucra. Da década de 1970 para cá, Ford fez muito estúdio lucrar, da Fox, com "Star Wars" (1977-1983), às engrenagens da Warner Bros., via "O Fugitivo" (1993). Porém o mundo e os números hoje são outros... Apesar deles, existe o streaming, onde muito flop do circuitão vira fenômeno de acesso. Na plataforma digital de Mickey Mouse, o Dr. Jones teve espaço para brilhar. Pode brilhar mais ainda agora, quando o Hulk Vermelho pode engatar um vínculo entre ele e as novíssimas gerações.

Amamos odiar o longa anterior, "O Reino da Caveira de Cristal" (2008), o episódio quatro da franquia "Indiana Jones". Apesar de Spielberg ser o seu realizador, esse quarto tomo jamais agradou, pelo fato de não reproduzir o ethos taquicárdico (e romântico) da trilogia inicial, acrescentando um personagem desnecessário (e mal defendido) à mitologia do herói - um filho vivido pelo encrenqueiro Shia LaBeouf. Quebrava, portanto, com o apelo modernista da série, de mimetizar o passado e reinventá-lo. Não houve essa reinvenção, e ela é essencial. Na década de 1980, quando "Os Caçadores da Arca Perdida" estreou, em 1981, Spielberg e George Lucas fizeram um exercício proustiano e resgataram o espírito heroico dos seriados dos anos 1930 e 1940 das matinês. Resgataram elementos de "Jim das Selvas" e de "Hopalong Cassidy". Fundiram essas filigranas ao arquétipo de 007, acrescentaram dados de História e Arqueologia, e edificaram a figura de Indiana, originalmente pensado para Tom Selleck (o Magnum da TV). Esse mesmo toque de Proust se viu em "No Templo da Perdição" (1984) e no magistral "A Última Cruzada" (1989), que ainda trouxe Sean Connery (1930-2020) para viver o pai de Indy - numa catarse da relevância que James Bond teve na construção do personagem.

Diante desse histórico (de três filmes magistrais e um quarto longa um tanto decepcionante), Mangold (de "Ford vs. Ferrari") assumiu o fardo de dirigir uma quinta aventura de Indiana Jones com a incumbência de dar a ela o chame das legacy sequels, termo usado para continuações tardias, como "Top Gun: Maverick" (2022).

Vertiginosa do tenso começo ao encantador fim, calcando-se em efeitos digitais gráficos pra rejuvenescer Ford nas sequências iniciais, "Indiana Jones e a Relíquia do Destino" retoma o tom de matinê supracitado, recobrando o ritmo que havia em "A Última Cruzada", o apogeu da franquia. Os vilões vistos em "The Dial of Destiny" (título original) são nazistas, soldados da SS dos mais cruéis. Um cientista formado pelo III Reich, Dr. Voller, muito bem interpretado por Mads Mikkelsen, é a encarnação do Mal dessa milionária aventura feita numa parceria da Disney com a Paramount. Voller segue sempre acompanhado de um capanga cruel, Klaber, vivido por Boyd Holbrook.

Que a ofensiva da Marvel com o Hulk Vermelho impulsione o Dr. Jones de volta à ribalta.