Doutor Destino, o líder da nação fictícia do leste europeu Latvéria e ferrabrás de meter medo, há de ficar bem zangado de ter ficado de fora (ou quase) de "Quarteto Fantástico: Primeiros Passos", que estreou nesta quinta (27), superando todo e qualquer temor acerca de sua excelência como adaptação de HQ. O cineasta Matt Shakman, egresso de séries como "WandaVision" e "Game of Thrones", fez justiça à família que serviu como pilar editorial para a Marvel Comics, em 1961, inaugurando um estilo de quadrinhos sintonizado com os conflitos culturais de seu tempo - sobretudo a intolerância racial.
A direção de arte é de um colorido temperado, de fina precisão, com especial esmero no emprego da cor azul, empregada nos uniformes dos heróis. A trama se alinha com a tradição cinéfila dos "filmes catástrofe", alinhando-se com referências pop como o desenho "Os Jetsons".
Não há um "ai!" a se dizer contra o elenco, sintonizado em covalência plena de carismas e talentos cênicos. Pedro Pascal é um Reed Richards (ou Sr. Fantástico) com ar de Rock Hudson. Vanessa Kirby constrói Sue Storm, a Mulher Invisível, num diapasão melodramático elegante. Joseph Quinn engole cada quadro em que aparece sob as chamas de Johnny Storm, o Tocha Humana - o melhor que o cinema já viu. Por fim, com seu ar de fera feria, Ebon Moss-Bachrach traduz a humanidade de Ben Grimm, o Coisa, de uma forma que só a safra de revistinhas quadrinizadas por John Byrne, editadas pela Abril nos anos 1980, conseguiram.
Não é à toa que a Panini Comics, casa que publica os personagens aqui tem uma leva de álbuns, especiais, encadernados e até as patacas chamadas "Omnibus" para oferecer à galera nerd. O título mais precioso já está à venda e tem o mesmo nome do longa-metragem.
Seu miolo junta os artistas gráficos Mark Buckingham e Matt Fraction. Sua narrativa, ligada ao filme, retrocede quatro anos no tempo, a fim de narrar quando um time de expedicionários do espaço voltou à Terra, após sofrer um acidente com raios cósmicos, que lhes assegurou uma série de poderes, assumindo a alcunha de Quarteto Fantástico. Igualmente imperdível é a saga "1234", vendida aqui pela Panini na coleção "Marvel Essenciais", narrando as investidas nada discretas do Príncipe Submarino Namor no coração de Sue.
Compra-se ainda a um preço bem bacaninha (R$ 39,90) um almanaque com aventuras solo do Coisa, com texto do roteirista Walter Mosley e arte de Tom Reilly. Suas páginas dão uma geral do coração do tamanho de uma galáxia que bate no peito do vigilante de pedra, o que explica a linha de atuação que Moss-Bachrach segue no longa. Muito do que se vê na releitura vintage que Shakman faz do supergrupo foi antecipado no arco de trama "Moléculas Instáveis", de Guy Davis e James Sturm, nas bancas e livrarias.
A iguaria mais saborosa dessa leva de álbuns ligados aos defensores do universo que Stan Lee (1922-2018) e Jack Kirby (1917-1994) criaram se chama "A Sorte Favorece os Fantásticos". Ela traz artesões do roteiro e do desenho como Carlos Gómez, Ivan Fiorelli e Ryan North em sua equipe de criação. No Brasil, esse material foi editado em encadernação em "Quarteto Fantástico - Vol. 4". Trata-se de uma homenagem eletrizante aos suspenses policiais dos anos 1940. Nela, Reed Richards está desaparecido e Sue precisa procurar um detetive para encontrá-lo. Enquanto isso, Ben Grimm e Johnny Storm precisam arranjar empregos para trazer algum dinheiro extra para a família.
Existe uma Surfista Prateada na superprodução de Shakman, vivida por Julia Garner. Ela se chama Shalla-Bal e é uma reinvenção de uma personagem homônima famosa. O Surfista que todo quadrinhófilo conhece pode ser lido em português na graphic novel "Parábola", com arte do francês Jean Giraud (1938-2012), o Moebius.
Atualmente, nos Estados Unidos, a Marvel revisita o legado do Sr. Fantástico e sua família em "Fantastic Four Fanfare", com roteiros de Tom Defalco, Dan Slott e Chip Zdarsky. A trupe de ilustradores junta Michael Allred, Ron Frenz e Marcos Martin.