Dá mole pra Blacksad pra ver o que te acontece. Uma legião de quadrinhófilos foi dar bobeira pro detetive de feições felinas 25 anos atrás, caiu em suas garras e nunca mais saiu delas, criando um fenômeno editorial no Velho Mundo. Não por acaso, novas edições de suas aventuras, com capas novas, chegam às livrarias para agitar o comércio de HQs, ou melhor, de BDs.
BD, ou banda desenhada, é o nome que se usa na Europa para definir álbuns gráficos. São edições de luxo, encapados com papel mais duro, que optam por narrativas de gênero (fantasia, sci-fi, faroeste) ou por aulas de História (cheias de poesia) mas trilham caminhos que fogem do maniqueísmo. Nos EUA, quem dá as cartas nesse mercado é a Marvel e a DC, mas, na França, quem gira a roda são tramas adultas, calcadas em temas políticos, que dissecam mitos e biografam artistas. Foi nesse meio que surgiu o investigador John Blacksad, uma mistura de Humphrey Bogart com Denzel Washington (em "O Diabo Veste Azul"), só que de traços animais, de gato.
Ele defende a lei numa América onde todos são bichos. Crocodilos de presas afiadas podem ser garçons de coração mole enquanto albatrozes de bico fino podem representar gângsteres implacáveis no mundo antropomórfico criado há um quarto de século pelos espanhóis Juan Díaz Canales (roteirista) e Juanjo Guarnido (desenhista). Em solo francês, terra de Astérix, uma das últimas HQs do personagem, "Alors, tout tombe", foi elogiada pelo "Le Monde" e faz a alegria dos livreiros e donos de gibiterias de Paris. Numa visita a uma das mais célebres lojas do setor em solo europeu, a Librairie Les Super Héros, nos arredores de Beaubourg, a primeira sugestão da atendente foi: "O novo Blacksad é um dos nossos títulos mais vendidos. Vai gostar".
Lançado no Brasil em 2017, pela Editora SESI-SP, "Algum Lugar Em Meio Às Sombras" é a trama que inaugurou a saga de Blacksad, em 2000, quando o anti-herói fez barulho entre os quadrinhófilos parisiense. Não demorou para que virasse grife comercial, inspirado a criação de estátuas, canecas, cartazes e toda a sorte de quinquilharias com o rosto do herói. "Alors, tout tombe" é sua sétima BD e periga ser "O" sucesso de vendas deste ano. Na lista dos mais procurados da FNAC, uma das mais concorridas livrarias do planeta, o volume nº 7 das histórias de Diáz Canales e Guarnido dispara rumo ao pódio, encostando em fenômenos como "Astérix et le Griffon"; de "Spirou - L'Espoir Malgré Tout"; e do cult "Le Monde Sans Fin", de Jean-Marc Jancovici e Christoph Blain.
É difícil não pensar no filme "O Irlandês" (2019), de Martin Scorsese", lendo "Alors, tout tombe". Na trama, Blacksad é encarregado de proteger o presidente de um sindicato ligado à máfia de Nova York, em meio à construção do metrô. O ambicioso Salomão, um mestre de obras, é a chave para que o gato de musculatura GG descende a corrupção americana, esbarrando com uma trupe de artistas de teatro num enredo com toques de "Hamlet".
Uma outra BD na linha noir com destaque hoje na Europa é "Mexicana". Digna de um bom filme dos irmãos Coen, à la "Onde os Fracos Não Têm Vez", esta coletânea policial é assinada pelo roteirista do momento na França, Alexis "Matz" Nolent, em duo com Steven "Mars" Marten. Seu protagonista é Emmet Gardner, um guarda de fronteira que trabalha ao largo do Rio Grande, nos EUA, e vê sua vida desmoronar ao descobrir a conexão de seu próprio filho, Kyle, com um cartel local. Pra livrar o rapaz do submundo, Emmet assume a tarefa de matar um criminoso, mas acaba alvejando alguém com quem não deveria mexer.