Boa de reclames publicitários, a Marvel encontrou uma maneira bombástica de promover sua nova linha de HQs do Doutor Estranho, com a impactante chamada: 'O Feiticeiro Supremo não existe mais!'. A publicidade é eficaz, mas a trama que a sustenta é mais intrigante. Victor von Doom, o astuto Dr. Destino, manipulou o Dr. Stephen Strange, o mestre das artes místicas, para que este lhe entregasse o título e a posição de senhor da magia.
Com essa aquisição de poder, Doom exerce seu domínio sobre o mundo, enquanto Strange enfrenta uma profunda crise de identidade. Em busca de um novo propósito e alimentando um desejo de vingança, ele empreende uma jornada para Asgard, na esperança de que o reino de Thor possa estar à procura de um mago para integrar suas fileiras. Loki, o traiçoeiro irmão do Deus do Trovão, mostra-se disposto a oferecer auxílio, mas essa ajuda vem carregada de uma armadilha perversa, e Strange logo percebe que ascender à maior autoridade mágica de Asgard será uma empreitada muito mais complexa do que ele inicialmente imaginava.
Derek Landy é o responsável pelos roteiros dessa empolgante saga, que ganha vida através dos desenhos de Carlos Magno. Por meio dessa narrativa, um fleumático vigilante, cuja popularidade no streaming está em ascensão, conquista uma bem-vinda sobrevida no universo dos quadrinhos. Esse aquecimento nos bastidores da indústria editorial dos EUA também se reflete no carinho da Panini Comics, sua editora em português, que lhe dedica mimos especiais, com destaque para uma minissérie eletrizante em que o mago se torna um implacável caçador de vampiros. 'Caçada Sangrenta', já disponível nas bancas, coloca Stephen frente a frente com sanguessugas, levando-o a um confronto direto com o lendário Conde Drácula. Em paralelo, a Panini resgata e relança nas prateleiras das livrarias e quiosques a aclamada graphic novel 'Triunfo e Tormento'.
Nessa história, a cada véspera do solstício de verão, o já mencionado Von Doom, o déspota da nação de Latvéria, enfrenta as forças do Mal em uma tentativa desesperada de libertar a alma de sua mãe das profundezas do inferno. Somente quando o Doutor Estranho se convence a unir forças com seu antigo adversário nessa luta sombria, Destino vislumbra alguma esperança de alterar o resultado a seu favor.
Esses lançamentos de revistas ganham destaque no site da Panini no mesmo período em que o mais recente longa-metragem de Stephen Strange conquista o público na plataforma Disney . 'Doutor Estranho no Multiverso da Loucura' é uma afirmação da autoralidade de um cineasta com uma assinatura estilística marcante - Samuel Marshall Raimi -, que, agora sexagenário, revisita códigos que começou a manipular de forma quase artesanal, com recursos limitados, a partir do cult 'Darkman: Vingança sem Rosto' (1990).
A bilheteria estrondosa que o filme alcançou, beirando os US$ 955 milhões, atesta seu sucesso. A dedicação quase reverente do ator inglês Benedict Cumberbatch ao seu papel mais pop; uma direção de arte exuberante que transporta o espectador para outras dimensões; uma edição frenética que intensifica a ação; as numerosas aparições de heróis que ainda não tiveram destaque no Marvel Studios (como um certo cientista com habilidades elásticas e o enigmático Rei dos Inumanos); e uma inteligente assimilação dos códigos do terror (o gênero preferido de Raimi) garantem às plateias um espetáculo de tensão crescente e maravilhamento constante.
Além disso, a narrativa conta com o retorno de Sir Patrick Stewart como o icônico Professor Xavier. Mas existe nessa trama complexa, em que o Mago (quase) Supremo desafia as intrincadas lógicas fractais da Existência, saltando entre realidades paralelas, a catarse de um processo histórico fascinante. Um processo que a indústria cinematográfica vem construindo em uma relação simbiótica com as histórias em quadrinhos ao longo de décadas. Remontamos ao final dos anos 1990, quando 'O Show de Truman' (1998), de Peter Weir - que serviu de inspiração para o pôster oficial do 75º Festival de Cannes -, anunciou o nascimento de uma nova forma de dramaturgia para o audiovisual: os reality shows, que, em seu auge, alimentaram uma crescente demanda pelo consumo do Real nas mais diversas telas. O documentário brotou nesse contexto, a partir de 1999, como uma força narrativa que se expandia por diferentes plataformas midiáticas, chegando ao ponto de se mesclar com a ficção, como evidenciado, naquele mesmo ano, pelo vencedor da Palma de Ouro: 'Rosetta', dos irmãos Dardenne, um drama de realismo cru e impactante."