Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Invasão gaulesa

Minissérie da Netflix estreia esta semana abordando a luta dos gauleses contra invasores bárbaros | Foto: Fotos/Divulgação

Ideiafix vai latir um tantão este ano. Seus donos, os gauleses mais famosos de toda a cultura pop, invadem prateleiras das livrarias, grades de streaming e até as galerias do Museum für Kommunikation Berlin. Vai ter Astérix e Obélix por todo o lado daqui até o fim do ano, sendo que a atração com data mais próxima da população brasileira estreia nesta quarta, na Netflix.

A plataforma do N gigante vai receber a minissérie "O Combate dos Chefes" daqui a dois dias. É uma animação serializada. Em sua trama, o druida Panoramix esqueceu a receita da poção mágica. Sobra para os devoradores de javali de sua vila a missão de salvar a pátria da invasão romana. Alain Chabat é quem empresta a voz a Astérix na versão original da França, terra dos criadores dessa HQ memorável: René Goscinny (1926-1977) e Albert Uderzo (1927-2020). Entre nós, Alexandre Moreno é que dubla o tampinha de temperamento esquentado e de coração macio que há de mobilizar uma horda de leitores, no fim do ano, em 23 de outubro com o lançamento de um quadrinho inédito, hoje em finalização, ambientado nas terrinhas peninsulares onde fica Portugal.

"Astérix en Lusitanie" conta com a arte de Didier Conrad, quadrinista hoje responsável por dar sequência às peripécias gráficas do guerreiro criado na revista "Pilote", em 29 de outubro de 1959. Ele e o roteirista Jean-Yves Ferri já trabalharam no universo de Goscinny e Uderzo antes em "A Filha de Vercingetorix", lançado entre nós pela Ed. Record.

No apagar das luzes de 2024, a editora, localizada em São Cristóvão, colocou à venda um tijolaço de 152 páginas, chamado "Asterix Omnibus". O álbum compila missões clássicas do personagem. Uma das historietas se ambienta na Lutécia, onde os protagonistas precisam encontrar uma nova foice para Panoramix.

Não é só lá que esse sábio clérigo da floresta encontra destaque. Em terras germânicas, o público berlinense e turistas afoitos por salsichas e cervejas podem se deleitar com a exposição "Uderzo - De Astérix à Poção Mágica", inaugurada em 6 de fevereiro na capital alemã. Ela segue até 15 de junho, no Museu da Comunicação de Berlim com foco na relevância de Astérix para o mercado editorial da Europa. Edições antigas estão entre os itens expostos, assim como fotos de época e bonecos. Panoramix está entre as figuras revisitadas pela curadoria.

Enquanto "Astérix na Lusitânia" não chega por aqui, dá para matar as saudades da cria de Uderzo e Goscinny na já citada Netflix, às vésperas de "O Combate dos Chefes" estrear, com o longa-metragem mais recente da franquia, "L'Empire du Milieu". Ele foi lançado em 2023 no circuito exibidor do Velho Mundo, mas acabou sendo esnobado pelas nossas salas de projeção. O filme vendeu 4,5 milhões de tíquetes em telas francesas.

Divertidíssimo, "Astérix e Obélix no Reino do Meio" (esse é o título por aqui) conta com Guillaume Canet na direção e no papel principal. Sua arrecadação nas bilheterias está estimada em cerca de US$ 45 milhões. É uma receita astronômica para o padrão francês recente.

Berço do cinema (criado pelos Irmãos Lumière em 1895), a França frequentemente lançava, ano a ano, filmes que beiravam ou até superavam a marca de cinco milhões de pagantes, às vezes, até de 10.000.000. Em 2008, por exemplo, "Bienvenue chez les Ch'tis" (lançado aqui só em DVD como "A Riviera Não É Aqui"), de Dany Boon, tornou-se o maior fenômeno popular daquele país nas telas, ao vender 20.489.303 entradas. Três anos depois chegou "Intocáveis" ("Intouchables"), de Olivier Nakache e Eric Toledano, que somou 19.490.688 espectadores. Em 2020 e 2021, como um reflexo da queda de frequência às salas, inerente à pandemia, as vendas de tíquetes pelas bilheterias de Paris, Nice, Marselha, Lyon e arredores despencaram. o maior sucesso francês de 2022, por exemplo, foi a terceira parte da franquia "Que Mal Eu Fiz A Deus", iniciada em 2014: "Qu'Est-ce Qu'On a Tous Fait Au Bon Dieu?", que vendeu 2.429.450 bilhetes. É um número expressivo pra vida pós primeiro surto da covid-19, mas comparando-se sua arrecadação à receita dos outros dois longas da cinessérie - o primeiro foi visto por 12,3 mil pagantes e o segundo, de 2019, por 6,6 mil pessoas -, seu faturamento ficou aquém do esperado. Muito aquém.

Em anos passados, Astérix já fez as salas de sua pátria lucrarem aos tubos. Em 2002, quando o gaulês estrelou "Missão: Cleópatra", 14.559.509 franceses compraram ingressos pra prestigiar o personagem de Uderzo e Goscinny. Antes, em 1999, quando Gérard Depardieu assumiu o papel de Obélix, numa hilária versão em carne e osso do quadrinho, 8,9 milhões de pagantes foram assistir sua aventura. Mas as cifras do novo longa da série em outros cantos do mundo, onde estreou em salas exibidoras, subiram sem parar.

Além do desempenho de Canet como Astérix (em hilária atuação), seu amigo pessoal e muitas vezes colega de tela Gilles Lellouche, galã, diretor e ás de arrecadações milionárias (vide "Um Banho de Vida"), encarna Obélix com o carisma a mil. O papel do Imperador César, eterno vilão dos gibis do personagem, foi confiado a Vincent Cassel. Vemos ainda uma Cleópatra vivida por Marion Cotillard, diva da obra de Canet. A química entre Marion e Canet, na telona, é das mais eficazes em termos de mobilização popular, como prova a parceria deles em fenômenos de faturamento como "Até a Eternidade" ("Les Petits Mouchoirs", 2010) e "Estaremos Sempre Juntos" ("Nous Finirons Ensemble", 2018), vistos por 5,3 milhões de pagantes e 2,7 milhões de espectadores respectivamente.

Na trama de "O Reino do Meio", a filha do imperador chinês foge de seu reino e pede ajuda aos gauleses para poder ser livre de amarras políticas familiares. Astérix e Obélix vão ajudá-la, mas terão de usar seus poderes ao máximo para encarar os desafios políticos e éticos impostos por César e outros adversários.