Por: Affonso Nunes

Felipe Antunes navega em mares poéticos e de crítica social

Felipe Antunes: 'É um disco sobre o movimento de seguir, mesmo que o mar esteja revolto. Sobre a beleza de remar junto, e não sozinho' | Foto: Divulgação

Novo álbum do cantor e compositor faz de suas trilhas sonoras produzidas para o teatro uma reflexão orgânica sobre travessias humanas, resistência e afetos

O mar como metáfora de deslocamento, luta e sobrevivência percorre o álbum "Embarcação", recém-lançado pelo cantor, compositor e pesquisador Felipe Antunes. O trabalho propõe uma reflexão poética e política sobre as travessias humanas — voluntárias e involuntárias — entre a opressão e o acolhimento, a dor e o amor, o desamparo e a esperança. Produzido por Fábio Sá e gravado nos estúdios Parede-Meia e Space Blues, o álbum dialoga com a tradição da canção brasileira contemporânea e se abre à experimentação de diferentes ritmos como soul, samba, blues, rock e folk.

A origem cênica do projeto atravessa a obra estabelendo um fluxo narrativo e emotivo particular. Isso porque a maioria das faixas nasce de trilhas compostas por Felipe para espetáculos teatrais. Cada canção contém uma história, personagem ou uma travessia em curso e o que foi pensado para diferentes montagens teatrais ganha unidade e coerência sob uma perspectiva poética e política.

A canção-título sintetiza o espírito do projeto. Composta por Felipe em parceria com o multiartista mineiro Salloma Salomão, "Embarcação" permaneceu guardada por anos até ser resgatada pelos autores para o espetáculo "A Morta", de Oswald de Andrade, dirigido por Cacá Toledo. No álbum, ganha contorno mais próximo do samba e da MPB com uma letra fala de um povo cansado, entre a vida e a morte, a opressão e o descanso, afirmando as vozes subestimadas "na conta financeira da sociedade". Em outubro de 2025, a música foi premiada como Melhor Canção no FestClip 2025, consolidando-se como uma das obras mais marcantes do repertório recente do artista.

Outras faixas também surgem de experiências cênicas e afetivas. "Ode Marítima", escrita a partir de trecho do poema homônimo de Fernando Pessoa, nasceu de encontro artístico com o ator português João Garcia Miguel e mergulha em temas como saudade, solidão e abismos interiores. "Aurora" traz sonoridade lírica e esperançosa, enquanto "Febre Alta" e "Água-Viva" exploram pulsões vitais entre o delírio e o despertar, compondo obra em que o humano se revela em suas camadas mais frágeis e luminosas. Felipe define o trabalho com clareza: "O disco tem diversas conexões diretas e simbólicas com o mar — os cais, os barcos, as marés. É uma metáfora das travessias humanas e também das forças que tentam afundar e das que mantêm à tona".

Há no álbum uma tensão permanente entre o real e o simbólico: o enfrentamento ao fascismo, à violência e à desumanização, contraposto à fé no amor como força de cura e construção coletiva. "É um disco sobre o movimento de seguir, mesmo que o mar esteja revolto. Sobre a beleza de remar junto, e não sozinho", conta.