Por: Affonso Nunes

O samba não sai dos trilhos

Apesar das adversidadespara manter o projeto, Marquinhos de Oswaldo Cruz diz que a importância de se manter a tradição é o combustível que põe o Trem do Samba em movimento | Foto: Henrique Esteves/Divulgação

Trem do Samba chega aos 30 anos resgatando as viagens musicais lideradas por Paulo da Portela que driblaram a repressão policial nas primeiras décadas do século passado

Nos vagões apinhados de trabalhadores nos trens que cortavam os bairros do subúrbio da Central nas primeiras décadas do século passado, Paulo da Portela driblou a repressão com arte popular. Enquanto a polícia perseguia os sambistas e proibia suas rodas pela cidade, o fundador da azul e branco encontrou uma brecha: cantar durante a viagem de volta para casa, em Oswaldo Cruz. Ali, entre estações e apitos, o samba se fazia resistência em movimento, evoluindo pelos trilhos a espelhar segredos ancestrais com força do povo perseguido.

Décadas depois, Marquinhos de Oswaldo Cruz olhou para essa história e pensou: por que não transformar aquela viagem clandestina em celebração pública? Nascia assim, em 1995, o Trem do Samba, que neste sábado completa 30 anos repetindo o trajeto lendário de Paulo, mas agora com os vagões lotados de festa, orgulho e reafirmação da identidade do povo preto. O que um dia foi fuga virou encontro. O que era silêncio hoje ecoa gritos de alegria. E Oswaldo Cruz, a décima sexta estação do ramal santa Cruz, nunca esteve tão pronta para receber essa festa que embala os trilhos com poesia.

Quando Marquinhos de Oswaldo Cruz idealizou o Trem do Samba, em 1995, o subúrbio carioca vivia um período de invisibilidade cultural. As comunidades que historicamente sustentaram o samba como expressão máxima da identidade afro-brasileira pereciam no esquecimento. Foi nesse contexto de apagamento que o cantor e compositor decidiu resgatar a memória poderosa das viagens de resistência de Paulo da Portela. Dessa inspiração que nasceu um dos mais importantes movimentos de valorização da cultura sambista no Rio.

O Trem do Samba é parte do calendário de ações relativas ao Dia Nacional do Samba, celebrado todos os dias 2 de dezembro. Não se trata da data de nascimento de Tia Ciata. Também não é quando Donga gravou "Pelo Telefone". E muito menos quando Ismael Silva e os bambas do Estácio fundaram a Deixa Falar. O Dia Nacional do Samba surgiu por iniciativa de um vereador baiano, Luis Monteiro da Costa, para homenagear Ary Barroso. Ary já tinha composto seu sucesso "Na Baixa do Sapateiro", mas nunca havia posto os pés na Bahia. Esta foi a data que ele visitou Salvador pela primeira vez. A festa foi se espalhando pelo Brasil e virou uma comemoração nacional.

Organizada metodicamente por Marquinhos de Oswaldo Cruz, a celebração do Trem do Samba mantém uma tradição que se repete há três décadas. O plataforma da Central do Brasil se transforma no ponto de embarque de uma jornada que conecta gerações de sambistas. Marquinhos recebe as velhas guardas de escolas históricas como Mangueira, Salgueiro, Império Serrano e Vila Isabel, além de nomes representativos da cena sambista: Makley Matos, Gisa Nogueira, Didu Nogueira, Osmar do Breque, Ernesto Pires e Marquinhos Sathan, entre outros bambas.

Da Central três trens partem rumo a Oswaldo Cruz, cada vagão transformado em espaço de celebração com as principais rodas de samba da cidade. É uma alegria só. Os trens começam a sair às 18h04, com embarques que se estendem até as 19h30, alguns mediante a troca solidária de um quilo de alimento não perecível.

Ao chegar em Oswaldo Cruz, o bairro se transforma em um grande palco a céu aberto. Três estruturas principais recebem shows de peso: o Palco Mestre Candeia, na Rua João Vicente, apresenta Samba da Volta, Dorina, Marquinhos Diniz e Dudu Nobre; o Palco Dona Ivone Lara, na Rua Átila da Silveira, traz Terreiro de Crioulo e Convidados, além de Roberta Sá; e o Palco Mestre Monarco, na Praça Paulo da Portela, recebe a Velha Guarda da Portela, Marcelinho Moreira em homenagem a Arlindo Cruz e Leci Brandão. Além dos palcos principais, 20 rodas de samba se espalham pelas ruas do bairro.

"O mais difícil nessa história toda, neste tempo todo, é justamente manter a tradição. É a tradição que é o pilar central de tudo, senão um evento desse não estaria acontecendo. Foram anos e mais anos com dificuldades, mas sempre fomos bem exigentes em não abrir mão da tradição. É ela que garantiu a longevidade desse projeto", destaca Marquinhos, um autêntico guardião deste legado tão rico.

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Marquinhos de Oswaldo Cruz, idealizador do Trem do Samba | Foto: Thaty Aguiar/Divulgação

 

SERVIÇO

TREM DO SAMBA 30 ANOS

Saída dos trens da Central do Brasil entre 18h04 (convidados) e 19h30

- Embarque livre

Em Oswaldo Cruz

Palco Mestre Candeia (Rua João Vicente): Samba da Volta, Dorina, Marquinhos Diniz e Dudu Nobre

Palco Dona Ivone Lara (Rua Átila da Silveira): Terreiro de Crioulo e Convidados, Roberta Sá

Palco Mestre Monarco (Praça Paulo da Portela): Velha Guarda da Portela, Marcelinho Moreira (homenagem a Arlindo Cruz) e Leci Brandão

Mais 20 rodas de samba espalhadas pelo bairro

Grátis