Festival de Marrakech projeta alguns dos longas eleitos os melhores do ano pela revista 'Cahiers du Cinéma', com palestra do diretor de 'O Agente Secreto', integrante da lista
Logo que chegou ao Theatre Meydene, no Marrocos, para inaugurar a seção Conversas, na 22ª edição do Festival de Marrakech, no sábado passado, o pernambucano Kleber Mendonça Filho já mobilizava as redes sociais por uma vitória jornalística em prol do Brasil: "O Agente Secreto", sua mais recente expressão autoral, estampa a capa da "Cahiers du Cinéma". Minutos antes de a fala dele, mediada pelo curador Nashen Moodley, começar, correio a notícia de que o filme brasileiro mais discutido do momento entrou na lista dos Melhores do Ano (e em quarto lugar) da consagrada revista francesa.
Essa enquete, anual, é motivo de discórdia, mas também de fama. Quem entra nela, assegura posteridade para si. Afinal, o periódico, fundado em 1951, ainda goza do prestígio de ser considerado a Bíblia Sagrada do saber cinéfilo. O líder de seu ranking é o ensaio documental "Tardes de Soleda", do catalão Albert Serra, antes alçado à dianteira da votação dos críticos da publicação europeia em 2022, com "Pacifiction". Graças a essa qualificação ele virou cult. O mesmo se passou, em 2024, com "Misericórdia", de Alain Giraudie; Era um filme sem alarde algum até liderar os Dez Mais dos "Cahiers". Em anos recentes, a liderança desse pódio foi dada ainda a "First Cow", da americana Kelly Reichardt (em 2021) e a "Trenque Lauquen", da argentina Laura Citarella (em 2023).
A curadoria de Marrakech foi montada bem antes da lista ser montada e divulgada, mas ficou em sintonia com ela, não apenas pela presença de Kleber, mas também pela escalação do lírico "Nouvelle Vague, do estadunidense Richard Linklater, que será exibido em salas marroquinas nesta quarta. Seu tema: as filmagens de "Acossado", em 1959, pelo jovem resenhista Jean-Luc Godard (1930-2022). Linklater nasceu em Houston, no Texas, há 65 anos, e tem no inglês seu idioma de berço, mas o francês é a língua dominante na trama de seu novo longa, que ficou em oitava posição na preferência da "Cahiers". Seu foco está na cena cultural parisiense do fim da década de 1950. Nesse contexto, o cineasta por trás de "Escola de Rock" (2003) faz um voo de 360º sobre a História do século XX, pelas vias da cultura cinematográfica, para retratar o set de filmagem no qual Godard, então crítico de cinema, passou a dirigir, numa transição profissional que abriu precedentes para uma nova forma de editar imagens, usando a Filosofia como eixo para a construção de planos.
Kleber concorreu com Linklater em Cannes, onde prestigiou trabalhos do colega dos EUA no passado, quando trabalhava com jornalista, antes de lançar "O Som ao Redor" (2012). Ficou boquiaberto com a atuação que Richard extraiu de Bruce Willis em "Fast Food Nation" (2006), em que o astro de "Duro de Matar" (1988) batia na pança em sinal de enfado, com o tanto de comida gordurosa que seu povo consome. Aquela sacada com Willis não é muito distante das expressões indignadas do baiano Wagner Moura diante dos abusos que seu personagem em "O Agente Secreto", hoje na marca do milhão de ingressos vendidos no Brasil.
Wagner foi premiado em Cannes por sua atuação no longa, ambientado no Recife de 1977 e centrado na corrida pela vida de um cientista e pesquisador da universidade pública caçado por assassinos de aluguel, em tempos de ditadura militar. Kleber foi laureado lá também, com o troféu de Melhor Direção. Hoje, ambos são apostas para as estatuetas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. A instituição deu um Oscar ao cinema nacional, em março, para "Ainda Estou Aqui", e, há dez anos, prestou uma honraria póstuma a um dos heróis de Kleber, o documentarista Eduardo Coutinho, assassinado em 2014. Ele foi essencial para a formação de olhar (na desinência da brasilidade) do diretor de "Aquarius" (2016) e "Bacurau" (codirigido por Juliano Dornelles em 2019) - ambos citados em listas mais antigas da "Cahiers du Cinéma".
Em resposta ao Correio da Manhã no Meydene, Kleber falou da importância que o cineasta por trás de "Cabra Marcado Para Morrer" (1984) teve em sua formação.
"Chamado em inglês de 'Twenty Years Later', o 'Cabra Marcado...' é o filme brasileiro mais forte já feito. Incluo ele nas minhas curadorias sempre que sou convidado a fazer uma seleção de títulos do Brasil e vou exibi-lo agora em Nova Iorque. Cada vez que passa, ele permite que as pessoas tenham um entendimento diferente do Brasil. Coutinho em deu uma entrevista para o meu primeiro longa, o documentário 'Crítico', e falou coisas incríveis", diz Kleber, que arrebatou Marrakech com suas respostas.
O festival segue até o dia 6.