Tanto que foi ali, naquele cenário cotidiano, que na última quinta-feira (16) aconteceu o que só pode ser descrito como um momento de graça. Dona Lila apresentou, sozinha, sua versão para "Força Estranha", clássico de Caetano Veloso eternizado por Gal Costa cujo refrão carrega versos que parecem ter sido escritos para Dona Lila ("Por isso uma força me leva a cantar / Por isso essa força estranha / Por isso é que eu canto, / não posso parar / Por isso essa voz tamanha").
O vídeo da apresentação, divulgado nas redes sociais no domingo seguinte, rapidamente viralizou, emocionando internautas e artistas. Como um canto de sereia a atravessar oceanos digitais, a voz de Lila alcançou ouvidos que jamais imaginara tocar.
O próprio Caetano Veloso se declarou tocado com a performance da intérpret que nunca teve aulas formais de canto: "Ela canta lindo. Fiquei emocionado. Minha música! A mesma música que cantei com meus filhos na televisão. Ela canta lindamente, poxa vida", disse o compositor baiano. Carlinhos Brown, Ivan Lins, Zélia Duncan, Alexandre Pires, Alice Caymmi e outros famosos comentaram, cada um reconhecendo naquela voz algo que alcança a alma.
Em depoimento à repórter Ana Cora Lima, da Folha de São Paulo, Lila conta que começou a cantar ainda criança, como passarinho que descobre o próprio trino, participando de corais e se apresentando nas igrejas em Paulista, onde nasceu e vive até hoje. Nunca fez aulas de canto, nunca teve professor que lhe ensinasse escalas ou respiração diafragmática. Sua escola foi a vida, sua técnica foi o coração. "Tive que trabalhar desde muito cedo e cantar era a minha distração. O meu momento comigo. Ia me ouvindo e trabalhando a voz sozinha", conta ela, que sempre foi elogiada pela afinação e tem uma resposta simples sobre o dom que carrega. "Canto com alma e com o meu coração", diz.
Nessa frase está todo o segredo de sua arte. Não há artifício, não há pose, apenas a verdade nua de quem canta porque precisa, como quem respira. Ela chama de "furdunço" as últimas 24 horas, depois que, como Caetano previu em seu comentário, ficou famosa. "Nunca imaginei que fosse virar esse furdunço todo as nossas vidas. De 35 seguidores, ganhei quase 40 mil e, hoje (segunda, 20) tive que cantar na hora do almoço porque várias pessoas vieram aqui me ver", conta, ainda tentando processar a transformação que sua vida sofreu em questão de horas. Os números não param. Até o fechamento desta edição, a nova diva somava mais de 50 mil seguidores e sabe-se lá quantos serão quando você estiver lendo esta notícia.
A história de como o vídeo foi gravado tem a simplicidade dos grandes momentos que acontecem sem aviso. "Um cliente antigo trouxe dois amigos para almoçar naquele dia e aí perguntou: 'Dona Lila, você não vai dar uma palinha?'. Eu disse que só cantaria uma música bem rápida porque estava ocupada. De touca mesmo na cabeça, peguei o microfone e escolhi uma música do Caetano. Ele publicou e deu no que deu", relata, ainda sem acreditar no alcance que sua voz teve. "Estou nas nuvens. Nem acreditei quando vi os elogios do Caetano e do Ivan Lins. Quase infartei", confessa, com a humildade de quem nunca buscou holofotes mas agora se vê iluminada por eles.
Sobre o repertório preferido, ela lista "Sozinho", de Caetano Veloso, e "Dona Cila", de Maria Gadu.
"Na verdade, eu gosto de MPB, sabe? Não ouço muito os outros gêneros", diz Lila, revelando a preferência por uma música que valoriza a palavra, a melodia, a emoção.
E é ao falar de seu futuro que ela recorre à fábula da cigarra e da formiga para explicar como anda se sentindo, numa metáfora que resume toda sua trajetória. "Sempre fui a formiga, porque sempre trabalhei para criar meus filhos. Fui mãe solo. Agora, acho que Deus quer mudar minha história. Já abasteci os celeiros e agora vou cantar, como a cigarra", declara.
O rouxinol de Paulista, que cantava para poucos no canto de seu restaurante, agora tem o Brasil inteiro como plateia. Como na letra de Caetano, a força estranha que move o mundo, às vezes, se manifesta nas histórias mais improváveis, naqueles que nunca pediram fama mas, ao chegar ao microfone, podem transformar três minutos de canção numa obra de arte. Voa, Dona Lila!