Cantora propõe novas sonoridades para seu fado em 'Eu Vou Morrer e Amor ou Resistir', o álbum mais experimental de sua discografia
Ela nasceu com o fado e com ele se criou, mas Carminho é hoje bem mais que uma fadista. Às vésperas de mais uma vinda ao Brasil, a cantora portuguesa acaba de lançar "Eu Vou Morrer de Amor ou Resistir", seu mais novo álbum e considerado pela própria artista o trabalho mais ousado de sua carreira.
Carminho consolida sua posição como uma das principais renovadoras do fado contemporâneo com este disco que revela ao público uma artista cada vez mais envolvida com a autoralidade e disposta a expandir as fronteiras tradicionais do gênero que a consagrou mundialmente.
Gravado nos Estúdios Namouche, em Lisboa, e lançado pela Sony Music, o álbum marca uma nova fase criativa na carreira da artista. Aqui Carminho assume seu protagonismo como compositora ao assinar oito das onze faixas, além de dividir a produção executiva com Miguel Isaac. Não contente em apenas interpretar o repertório clássico do fado, Carminho aponta novos caminhos para o gênero, afinal renovar é preciso.
"Morre-se muito de amor no fado, mas poder resistir é algo que me interessa e me interessa cantar", explica a artista, ao comentar o título do álbum.
A presença feminina permeia o trabalho, a começar pela participação da estadunidense Laurie Anderson - um ícone do experimantalismo sonoro - na faixa "Saber". A vanguardista oferece um contraponto sussurrado em inglês à emocionada voz de Carminho. A parceria sinaliza a abertura de Carminho para influências externas e sua disposição em dialogar com diferentes gêneros, mas mantendo as raízes fadistas como fio condutor desta obra que se abre.
O álbum revela também o apreço de Carminho pela poesia experimental portuguesa, especialmente através da obra de Ana Hatherly. A poeta, que viveu entre 1929 e 2015, empresta seus versos para duas composições significativas: "Saber" e "Balada do País que Dói", esta última lançada como primeiro single em setembro. Em "Saber", Carminho musicou versos da fase mais lírica de Hatherly, explorando o conhecimento além da racionalidade para criar vínculos afetivos. Já "Balada do País que Dói" apresenta um jogo de palavras melancólico sobre a condição portuguesa, combinado a um arranjo que mescla guitarra portuguesa, guitarra elétrica, mellotron e viola de fados.
É isso mesmo? Carminho em versão eletrônica? Ora, pois! A experimentação sonora constitui um dos aspectos mais interessantes do álbum, com o destemor da ratista em incorporar elementos da música eletrônica como o vocoder e mellotron. Carminho assume a influência de Annette Peacock, uma das precursoras da música eletrônica desde os anos 1960, e Wendy Carlos, compositora das trilhas sonoras de clássicos cinematográficos como "Laranja Mecânica" e "O Iluminado". "Essas mulheres tiveram um papel admirável ao experimentarem novas possibilidades de uso das vozes femininas. Sem elas eu não teria feito este álbum", destaca Carminho.
O repertório inclui ainda "Canção à Ausente", com música de Carminho sobre versos do poeta Pedro Homem de Mello, originalmente publicados em 1939, que encenam a tensão entre esperança amorosa e frustração da ausência. A artista também prestou homenagem a Amália Rodrigues em "Sofrendo da Alma", compondo música sobre versos da maior intérprete da história do fado.
Filha da fadista Teresa Siqueira, Carminho cresceu imersa no universo do fado, mas inicialmente seguiu outros caminhos, formando-se em Marketing antes de abraçar definitivamente a música. Estreou com o álbum "Fado" (2009) e conquistou importantes premiações como o Globo de Ouro português e o World Music Awards. Em mais de 15 anos de carreira, sua discografia inclui trabalhos aclamados como "Alma" (2012), "Canto" (2014) e "Maria" (2018), além de ter lançado um álbum dedicado a Tom Jobim: o lírico "Carinho Canta Tom Jobim" (2016).
A ligação de Carminho com o Brasil, cultivada ao longo de mais de duas décadas de carreira, permanece forte e se materializará em novembro com sua participação no Festival Fado 2025. As apresentações estão programadas para Rio, São Paulo e Brasília, prometendo levar aos fãs brasileiros as novidades sonoras deste álbum experimental. "O público brasileiro é extraordinário. Varia de cidade para cidade - e isso é fabuloso", celebra a artista, reconhecendo a receptividade especial que encontra no país, onde já colaborou com nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Marisa Monte e Milton Nascimento.