Por: Affonso Nunes

Almas musicais que se encontram através do piano de Clara Sverner

Clara Sverner teve a ideia de gravar um álbum apenas com valsas depois de se emocionar profundamente durante a execução de um tema de Chopin, a 'Valsa nº 7' | Foto: Camilla Maia/Divulgação

A pianista Clara Sverner lança nesta sexta-feira (1º) nas plataformas digitais de música seu novo álbum "12 Waltzes", o 32º de uma robusta discografia. O trabalho representa uma síntese do legado pianístico da instrumentista (hoje com 88 anos), reunindo composições que compartilham uma atmosfera melancólica sob fiferentes perspectivas estéticas.

Ela conta que o projeto que nasceu de uma descoberta pessoal durante a execução da Valsa nº 7 de Chopin. "Estava tocando a valsa nº 7 e sentia uma certa melancolia entremeada ao ritmo de valsa... percebi que era o que mais me tocava e importava", conta a artista. "Neste momento me veio a ideia de gravar valsas, com esse fio condutor. E fui a procura! Entreguei minha alma ao interpretá-las", destaca.

O repertório selecionado pela pianista atravessa séculos e nacionalidades, incluindo cinco valsas de Chopin; a "Valse Triste", de Sibelius; "La plus que lente", de Debussy, três Choro Waltzes de Francisco Mignone; "Morena", de Cristovão Bastos e "Valsa Só", de Ronaldo Miranda. A seleção descortina conexões profundas entre compositores de épocas e estilos distintos.

A trajetória de Clara Sverner, duas vezes indicada ao Grammy Latino, sempre se caracterizou pela abordagem criteriosa tanto do repertório clássico internacional quanto da música brasileira. Formada no Conservatório de Genebra, onde recebeu medalha de ouro, e no Mannes College of Music de Nova York, a pianista construiu uma carreira marcada pela redescoberta de compositores brasileiros como Glauco Velásquez e Chiquinha Gonzaga.

Sua discografia, com mais de 29 títulos distribuídos internacionalmente, reflete um espírito investigativo que a levou a colaborações inovadoras, como a parceria com o saxofonista Paulo Moura, que resultou em quatro discos e no Prêmio Villa-Lobos pelo álbum "Vou Vivendo" (1986).

Intérprete de talento reconhecido por público e crítica do Brasil e do exterior, Clara Sverner teve sólida formação que se iniciou em São Paulo com o professor José Kliass. Aos 18 anos, já havia estreado o concerto para piano de Khachaturian sob a regência de Eleazar de Carvalho. Sua formação com José Kliass em São Paulo e posteriormente com o pensador musical Koellreuter moldaram uma artista que privilegia a qualidade estética e a carga expressiva das obras que executa.

O repertório brasileiro presente no álbum merece destaque especial. As três Choro Waltzes de Francisco Mignone representam a síntese entre a tradição europeia da valsa e a brasilidade do choro, enquanto "Morena", de Cristovão Bastos, e "Valsa Só", de Ronaldo Miranda, trazem perspectivas contemporâneas do gênero, uma tarefa a qual Clara Sverner de dedicou cm ardor por décadas.

A inclusão de compositores como Sibelius e Debussy ao lado de Chopin, um mestre da valsas para piano, revela a amplitude do conceito melancólico que norteia o álbum. A "Valse Triste", originalmente parte da música incidental para a peça "Kuolema", carrega uma carga dramática que dialoga com a introspecção chopiniana. "La plus que lente" oferece uma abordagem impressionista do gênero. A veterana insturumentista se deixou guiar pelo sentimento e acertou no repertório.