Assim que se acessa a URL www.mubi.com, correspondente a um streaming pautado pela força autoral das narrativas audiovisuais, "Vestida Para Matar" ("Dressed To Kill", 1980), com Nancy Allen, é um dos primeiros títulos a aparecer, numa oferta que, neste fim de semana há de se estender à tela grande. Neste sábado, às 19h30, o frenético jogo de gato, rato e navalhadas vai parar na telona do Estação NET Rio, na programação do Mubi Fest Rio de Janeiro. Na mesma sala, às 21h45, tem "Carrie, a Estranha" ("Carrie", 1976). Ambos estão no menu da plataforma supracitada, ao lado de "Um Tiro Na Noite" ("Blow Out", 1981), numa aba chamada de Mestre do Suspense, dedicada às estéticas de um gênio hoje sem espaço para filmar... e até para lançar títulos novos: Brian Russell De Palma.
Citado como referência por Quentin Tarantino e aclamado por cineastas pop europeus como Nicolas Winding Refn e François Ozon, ele chega aos 85 anos no próximo dia 11 de setembro. A data deve lhe render retrospectivas, mas não lhe assegura chance de filmar de novo. O diretor chegou à marca de seis anos de invisibilidade aos olhos da indústria cinematográfica, mesmo recebendo homenagens sazonais, como a da Mubi. Nenhum dos projetos de longa-metragem que estavam associados a seu nome saiu do papel, entre eles um thriller potencialmente reservado para Wagner Moura, chamado "Sweet Vengeance".
O pior: o último trabalho do realizador segue estacionado desde 2019 na fila de filmes sem tela no Brasil. "Dominó - A Hora da Vingança", que foi seu longa mais recente, passou na Europa em raros espaços e não teve circuito nestas bandas. Protagonizado pelo ótimo Nikolaj Coster-Waldau, no papel de um policial em busca de vingança, esse thriller aguarda por tela em vários territórios, confirmando uma maldição que se abateu sobre seu realizador. Nos EUA, o filme passou batido, prejudicado por uma série de problemas de produção.
Responsável por garantir ao diretor uma indicação ao Leão de Ouro, em 2012, o suspense "Paixão" ("Passion"), com Noomi Rapace e Rachel McAdams, permanece, também zero km em nosso circuitão. Nem streamings como a MUBI conseguiram mantê-lo em suas grades.
Exibido no Festival de Rio de 2008, "Guerra Sem Cortes" ("Redacted"), um libelo contra a intervenção militar de Bush no Iraque, teve melhor sorte e passou, por um tempo, na grade do www.mubi.com. O longa garantiu a De Palma o prêmio de Melhor Direção em Veneza.
Longa de abertura do Festival do Rio 2006, "Dália Negra" ("Black Dhalia"), seu último sucesso, lançado em 2006, também sumiu das telas, mas hoje pode ser acessado na Amazon Prime. O que teria expelido um cineasta desse naipe do circuito? Um cineasta com 65 anos de carreira.
Nascido em 11 de setembro de 1940, em Newark, Nova Jersey, De Palma estudou Física até estrear como realizador, em 1960, ao rodar o curta-metragem "Icarus". Filho de um cirurgião, a quem acompanhou em muitas operações, De Palma rodou 35 filmes nas últimas cinco décadas. Dirigiu sete curtas entre 1960 e 1966, além de um videoclipe para Bruce Springsteen, desenvolvido a partir da canção "Dancing In The Dark".
Na seara dos longas, ele contabiliza 31 produções, rodadas entre 1968 - quando debutou no formato, com "Murder à La mod" - e 2019 - quando "Dominó" entrou em cartaz, ficando em evidência apenas em Israel e na Hungria. Avaliando-se tudo de bom que o diretor assinou, "Dublê de corpo" (1984), "Scarface" (1983) e "Carrie, a estranha" (1976) são considerados obras-primas em sua carreira, cujos maiores êxitos comerciais foram projetos de "encomenda". Seus blockbusters: "Os Intocáveis" (1987), cujo faturamento beirou US$ 76,2 milhões, e "Missão: Impossível" (2006), que registrou uma arrecadação mundial de US$ 456,7 milhões.
Controverso por excelência, tido como misógino e voyeurista, De Palma foi, durante décadas, rotulado como um pastichador de Alfred Hitchcock, até que, em 2002, uma mostra com foco em seus feitos, realizada no Centre Pompidou, redimiu sua filmografia, buscando uma identidade autoral própria para além de suas referências. Em 2007, "Guerra sem Cortes" usou elementos da linguagem digital retirados do YouTube. "Hitchcock é o maior mestre da arte contar histórias a partir de imagens e se eu uso alguma referência de sua gramática esses elementos complexificam o que eu conto. Mas acho que hoje, após quase 50 anos como diretor, tenho meus próprios métodos e estilo", disse.