Pedro Assad, definitivamente, não é nome de sambista. E foi por isso que aquele jovem magrinho do Jardim Guanabara, na Ilha do Governador, foi logo apelidado de Mosquito. "Isso vem dos tempos de moleque na Rua Mangalô. Muito magrinho, tinha vários apelidos, mas Mosquito foi o que ficou", relembra o artista. Dizem que mosquitos não voam alto, mas esse artista prova o contrário em "Quinhão", segundo álbum de sua discografia com lançamento nesta quinta-feira (17). O Correio da Manhã ouviu antes este disco que marca, quem diria, duas décadas de trajetória do jovem artista no samba carioca.
Composto por dez faixas, "Quinhão" traz em sua produção a assinatura do arranjador Pretinho da Serrinha e reúne parcerias com nomes consagrados como Mart'nália e Tereza Cristina, além de representantes da nova geração de sambistas como Leandro Fregonezzi e Inácio Rios. "Me sinto muito honrado com essas parcerias. Compositores talentosíssimos que me deram uma colher de chá e somaram muito no álbum", confessa Mosquito.
Acompanham Mosquito instrumentistas da fina flor do samba como o próprio Pretinho da Serrinha, Carlinhos 7 Cordas (violão 7 cordas), Bebê Kramer (sanfona), Nene Brown e Beloba (tantan), Charles Bonfim (baixo), Dirceu Leite (clarinete), entre outras craques.
O cantor e compositor Moacyr Luz, que assina a apresentação do trabalho, destaca a autenticidade do repertório. "Percebe-se a paisagem carioca nos versos desses dez sambas que vamos ouvir. Mosquito recorre ao subúrbio de Aldir Blanc e Noel Rosa para vestir a tradição de citações", afirma o criador do Samba do Trabalhador, a tradicional roda de samba do Renascença Clube onde Mosquito, vez por outra, aterrisa. Para o próprio sambista, essa conexão com as raízes é fundamental: "É nessa fonte que eu bebo. Desse jeito aprendi e aprendo até hoje. A gente faz do nosso jeito, mas sem fugir da receita original."
Aos 36 anos, é nome consolidado nos melhores ambientes do samba carioca. Já foi revelação e hoje é realidade. Os primeiros voos, cheios de ginga e malícia, começaram lá nas rodas de samba do bairro onde cresceu. Em pouco tempo, migrou para os bares da cidade, criando conexões com músicos experientes e construindo uma rede de relacionamentos que só lhe trouxe ensinamentos.
O tipo franzino e o jeito descontraído de garoto, de risadas fartas e generosas, remete (e muito) à figura de Zeca Pagodinho quando jovem. Mas a maior semelhança está na qualidade de seu samba, na sua desenvoltura nas melhores rodas de samba do ramo, nas reuniões de partideiros.
O disco abre com "Mãinha Tinha Razão", parceria com Gilson Bernini, seguida por "Desistiu de Mim" (Cézar Mendes, Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Carminho). "Música linda, que assim que conheci, coloquei no repertório", conta. Entre os destaques, figura "Vida de Moleque", de autoria de Thiago da Serrinha, que explora as particularidades da zona norte carioca com sonoridade de gafieira. Inácio Rios participa não apenas como compositor, mas também como intérprete na faixa "Banho Maria". "Essas são canções que nasceram nos últimos anos. Algumas eu já canto há algum tempo nas rodas de samba", explica o artista sobre o repertório.
Pretinho soube entender o sotaque apurado dos sambas de Mosquito. Reconhecido por versos afiados, rápidos e certeiros, o artista tem como principais referências Bezerra da Silva, Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal, Adoniran Barbosa e Martinho da Vila. Por isso mesmo voa com destreza entre o samba de raiz e o partido alto.
O reconhecimento veio através de colaborações com grandes nomes como Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Arlindo Neto, Dudu Nobre, Diogo Nogueira e Caetano Veloso. Este último se tornou admirador confesso do trabalho de Mosquito após conhecer a canção "Só Por Hoje". "Fiquei tão apaixonado que cheguei a tentar gravá-la. Mas percebi que fica bonito mesmo é com Mosquito cantando com sua voz pura e límpida, dominada pelo sotaque do samba carioca de raiz." Para o sambista, receber esse tipo de reconhecimento é um estímulo. "É o tipo de coisa que faz a correria valer a pena. Sensação de estar no caminho certo."
Conhecido como um dos principais iprovisadores da nova geração do samba de partido alto, Mosquito conquistou lugar no cobiçado Hall dos Versadores do Cacique de Ramos. Suas canções se caracterizam pela irreverência e pelo retrato inusitado do cotidiano brasileiro, sempre mantendo a autenticidade que marca sua origem suburbana.
Para Moacyr Luz, "Quinhão" consolida Mosquito no cenário musical brasileiro: "Posso afirmar que na galeria do samba você já pôs o seu retrato". E se o Moa deu o veridito, quem há de negar?