Por: Affonso Nunes

Um disco classudo (e colaborativo)

Ney Matogrosso e João Suplicy nos bastidores da gravação da faixa 'Samba e Amor', a única canção brasileiro no bom disco do artista paulistano | Foto: Isabela Esíndola/Divulgação

Eclético em suas trajetória musical, João Suplicy nunca teve problemas de transitar musicalmente entre o samba e o rock, o blues e o baião e o que mais surgir. O cantor e compositor paulistano lança nesta quinta-feira (26) seu novo álbum. Com lançamento do selo Biscoito Fino, "Duets" se desvia da autoralidade para um trabalho de intérprete e, como o nome já entrega, incorpora novas vozes, confirmando sua vocação para a colaboração artística.

O artista explica que este álbum materializa um projeto que nasceu de sua paixão pessoal por determinadas canções e se transformou numa celebração coletiva da música popular, reunindo vozes de diferentes gerações e estilos em torno de um repertório eclético que transita entre clássicos internacionais e uma pérola da MPB.

O Correio ouviu o trabalho entes de seu lançamento e confirma a maturidade do trabalho que acerta tanto nas escolhas criteriosas para os duetos quanto na elegância refinada dos arranjos, criando um conjunto coeso.

O processo criativo do disco revela as mudanças de rumo que frequentemente enriquecem os projetos artísticos. Inicialmente, Suplicy planejava um álbum de versões para o português de compositores como Irving Berlin, Carole King, Bob Marley, George Harrison e Elton John. "Cheguei a fazer as versões, algumas misturando inglês e português, mas como o processo de liberação no exterior é lento, decidi seguir por outro caminho e gravá-las em inglês, mesmo", explica o artista. A solução encontrada foi justamente o que deu personalidade ao projeto: "Queria que elas tivessem um toque diferente, que soassem interessantes pra mim: daí veio a ideia dos duetos."

A diversidade de parceiros musicais espelha a amplitude do repertório escolhido. Ney Matogrosso empresta sua voz inconfundível para "Samba e amor", de Chico Buarque, a única canção brasileira do trabalho, numa combinação que surpreendeu o próprio Suplicy. "Admiro muito o Ney. Ele me disse que adorava essa música, mas que nunca havia cantado antes. A música do Chico é super intimista e a voz do Ney, nesse registro mais grave, combinou demais."

O rapper Rael participa de "Waiting in vain", de Bob Marley, enquanto Frejat empresta seu "vozeirão" para "That's Life", de Dean Kay e Kelly Gordon. "Blues tem tudo a ver com o Frejat, né? Ficou incrível", comenta Suplicy, evidenciando como cada parceria foi pensada considerando as características vocais e o universo artístico de cada convidado. Hugo Rafael assume o dueto em "If it's Magic", hit de Stevie Wonder, completando um leque masculino que abrange diferentes gerações e estilos musicais.

As vozes femininas ocupam espaço significativo no álbum, com participações que vão desde veteranas como Zélia Duncan até representantes de uma nova geração de intérpretes. Duncan, por quem Suplicy declara ser "super fã", canta "Cheek to Cheek", clássico de Irving Berlin. Já as cantoras mais jovens ficaram com standards igualmente consagrados: Vanessa Moreno interpreta "Fly me to the Moon", de Bart Howard; Camilla Marotti assume "Your song", de Bernie Taupin e Elton John; e Manda canta "Something", de George Harrison. Kell Smith participa de "La Vie em Rose (Sonho pra viver)", clássico de Édith Piaf que surge em versão para o português, enquanto Coral divide os vocais em "Ela", versão de "She", de Charles Aznavour e Herbert Kretzmer.

O momento mais pessoal do álbum acontece em "You've Got A Friend", de Carole King, gravada com as filhas do músico, Laura e Maria Luiza Suplicy. "Realmente me emociono bastante com essa. Na verdade, todas as participações deste álbum são especiais e me deixaram muito feliz", confessa o artista, revelando como o projeto transcendeu o aspecto puramente musical para se tornar também um registro afetivo de suas relações pessoais e artísticas.

A direção musical ficou a cargo de Jorge Helder, arranjador requisitado por grandes nomes da MPB como Chico Buarque, Dori Caymmi e Maria Bethânia. "Jorge Helder é um super craque e montou um dream team para gravar comigo", destaca Suplicy, referindo-se à formação que incluiu Mú Carvalho nos teclados, Marcelo Costa na percussão, Jurim Moreira na bateria e Milton Guedes na gaita. O próprio Helder tocou baixo em algumas faixas, enquanto Suplicy contribuiu com o violão, instrumento que serviu como ponto de partida para muitos arranjos. "Muitas coisas partiram do meu violão, da forma como eu já tocava essas músicas: o Jorge foi criando a partir disso, com muita categoria." Categoria que João Suplicy retribui com seu talento e integridade artística neste disco classudo feito a várias mãos e vozes.