Por: Affonso Nunes

Luiz Calainho, um empresário cultural de visão global e alma brasileira

Luiz Calainho defende mais inevstimentos na arte brasileira | Foto: Divulgação

O festival de música mais longevo do Brasil está de volta ao alto do Morro da Urca. Em 2025, o TIM Music Noites Cariocas comemora 45 anos com uma edição especial no Parque Bondinho Pão de Açúcar, reunindo grandes nomes da música brasileira em dois fins de semana deste mês. Sob direção criativa de Luiz Calainho, o evento mergulha no clima nostálgico das décadas de 1980 e 1990 com atrações como Samuel Rosa, Barão Vermelho, Lobão, Monobloco, Adriana Calcanhoto e Durval Lelys, que revive os sucessos do Asa de Águia.

Criado por Nelson Motta nos anos 1980, o Noites Cariocas se transformou em símbolo da resistência cultural carioca ao longo de 14 edições, por onde passaram 132 artistas. A retomada do projeto se deu pelas mãos de Calainho e do empresário Alexandre Accioly, que compraram os direitos da marca e reposicionaram o festival como uma experiência musical de alto impacto, unindo música, memória afetiva e paisagem.

Com ampla atuação no setor cultural, Luiz Calainho é hoje um dos principais nomes da indústria criativa no país. É um empresário de visão global e alma brasileira. À frente da holding L21 Corp, é gestor de espaços como os teatros Riachuelo, no Rio, e Alfa, em São Paulo. No teatro musical, consolidou-se com sucessos como "Elis, a Musical" e "A Noviça Rebelde" — este último bateu recordes em 2024, com 102 apresentações entre São Paulo e Rio e R$ 10,7 milhões em bilheteria.

Calainho também é sócio das casas Blue Note no Rio e em São Paulo. E com a gravadora e produtora Musickeria cria projetos que conectam artistas e marcas, fortalecendo o mercado musical com inovação e estratégia. Nas páginas seguintes ele dá detalhes sobre a nova edição do Noites Cariocas e fala sobres os desafios de ser um empreender de economia criativa no Brasil.

Luiz Calainho: 'Nenhum país do mundo tem a força criativa que o Brasil tem'

O que significa para você celebrar 45 anos do Noites Cariocas em 2025? Como foi o processo de curadoria para esta edição? Que critérios nortearam a escolha dos artistas?

LUIZ CALAINHO - Celebrar 45 anos do TIM Music Noites Cariocas em 2025 é absolutamente histórico. Essa história foi criada pelo genial Nelson Mota em 1980, quando aconteceu a primeira edição. Então lá se vão 45 anos da história da formação, da base do pop rock, a partir do Noites Cariocas, que foi criado em 1980. Então, para mim, significa fazer história. É o festival mais longevo da história do país. Definitivamente é o festival que moldou e molda muitos gêneros, não só o pop rock, muitos gêneros. A curadoria dessa edição foi pensada justamente para celebrar os anos 80 e 90. Com Daniela Mercury, que vem dos anos 90. Barão Vermelho, que vem dos anos 80. O Durval, que nesse caso está representando o Asa de Águia, vem dos anos 90. O Barão Vermelho, que vem dos anos 80. Então a curadoria foi toda pensada dessa maneira, ou seja, celebrar os anos 80 e os anos 90.

A proposta nostálgica desta edição, com foco nos anos 80 e 90, surgiu de uma demanda do público ou foi uma decisão artística?

A decisão de celebrar os anos 80 e 90 veio de uma construção criativa nossa. Nesses 45 anos, vamos celebrar os anos 80 e os anos 90. Essa foi uma criação, um conceito elaborado por nós.

O Morro da Urca é um dos cenários mais icônicos do Rio. Até que ponto essa paisagem de cartão-postal influencia na concepção do evento?

O Morro da Urca, eu diria que é, e olha que eu tenho uma trajetória de 36 anos dentro da indústria da música, do entretenimento, da economia criativa. A verdade é que o Morro da Urca é definitivamente o palco mais lindo e único do planeta. Eu vi shows nos cinco continentes do mundo, cinco continentes, e não há lugar no mundo que se aproxime da energia, da vibe, de tudo que você tem ali.

Você começou na indústria fonográfica e depois migrou para o teatro e eventos culturais. O que motivou essa transição?

Eu comecei, de fato, toda a minha jornada na indústria da música, primeiro como diretor de marketing da Sony Music do Brasil, depois como vice-presidente. A minha jornada na gravadora, na companhia, foi de 1990 até 2000. E de fato, eu mergulhei no mundo da economia criativa, no mundo da arte, da cultura, não só no Brasil, como no mundo até porque a música está em tudo. A partir do momento que eu decido me transformar no empresário do setor da economia criativa, é evidente que eu decidi abrir o leque, tanto que fui para o teatro, através da Aventura, para uma série de eventos, como, por exemplo, a Arte Rio. E o que está por trás disso, o que me motivou a fazer isso foi a riqueza artística, criativa que o Brasil tem, não comparada a nenhum país do mundo. Nenhum país do mundo tem a força criativa que o Brasil tem. É muito impressionante. Então isso me motivou a justamente passar a investir no setor.

O mercado de música ao vivo viveu grandes mudanças nos últimos anos. O que você enxerga como tendência para o futuro dos festivais no Brasil?

O mercado de música cresceu, e cresceu muito aqui no Brasil a pandemia que, obviamente, ninguém gostaria que tivesse ocorrido, por motivos óbvios, tantos óbitos e tantas famílias aí que sofreram e sofrem até hoje, sem dúvida. Mas posto isso, o que é o mais importante, a verdade é que a pandemia amplificou o interesse por arte, por cultura, por música, porque as pessoas estavam ali, presas em casa, no isolamento, e aí a válvula de escape foi a arte, foi a cultura, foi a música. Então, amplificou muito o volume de pessoas interessadas nisso e, da mesma maneira, o volume de patrocinadores também interessados em estar conectados a conteúdos. Então, a gente experimentou aí no pós-pandemia um boom muito grande. Claro que houveram aí alguns que eu chamaria de curiosos, gente que não tinha exatamente o conhecimento para botar de pé grandes espetáculos, festivais, etc. Mas agora já está depurado e o mercado. E isso segue crescendo. O momento é espetacular.

Como a sua experiência como executivo de uma gravadora influenciou sua atuação atual como empreendedor cultural?

O fato de eu ter sido executivo de uma grande gravadora, que foi a Sony Music, me deu muita experiência para ser um empreendedor cultural. Como eu disse, na Sony Music eu viajei os cinco continentes, fui para muitos países, mais de 30 países, e mesmo no mundo da economia criativa, porque realmente música está em tudo. Então isso me deu uma base muito importante para construir a minha jornada empresarial com muito profissionalismo, mas muito conhecimento artístico no Brasil e no mundo. Então, a minha experiência em gravadora foi fundamental.

Qual é o seu maior desafio pessoal hoje como produtor e gestor cultural?

O maior desafio hoje, como produtor, gestor cultural, empresário de segmento da economia criativa, é seguir inovando, seguindo o formato de construir conteúdos disruptivos, sempre pensando além, em novos artistas, em novos projetos, em novos formatos, em novas dinâmicas. Então, o grande desafio é seguir criando, criando muito, mas, ao mesmo tempo, seguir inovando e inovando muito.

Fale um pouco de sua atuação na Musickeria.

Musickeria é hoje um misto de uma gravadora com uma agência e com uma produtora, operando em dois braços. Ela tem o braço como uma gravadora clássica, a gente tem uma série de projetos, artistas contratados. O mais proeminente deles é o Samba Book, que é uma grande celebração, há grandes nomes do samba, é uma grande plataforma, aliás, a maior plataforma do samba hoje no país é da Musickeria, é o Samba Book, acabamos de lançar, inclusive, o Samba Book da gigante Beth Carvalho. E a Musickeria tem sido um dos grandes agentes no mercado que tem aproximado as grandes marcas, as grandes empresas, os grandes patrocinadores, a arte, a cultura e a música.

Ainda há preconceito em misturar música e marcas? Como quebrar essa barreira?

Eu diria que não há mais preconceito em misturar marcas e conteúdos e música e arte e cultura não. Pelo contrário, o Brasil hoje é linha de ponta, está realmente no topo da pirâmide do conceito de conexão e sinergia de grandes marcas, grandes empresas com conteúdos relevantes, conteúdos de alta excelência, conteúdos que fazem a diferença. A minha visão inclusive é que as marcas, na medida que você constrói jornadas muito bem desenhadas, definidas, etc., as marcas podem sim valorizar conteúdos, e elas valorizam. É o caso do TIM Music Noites Cariocas, é o caso do BTG Pactual Hall, é o caso das marcas que estão no Rock in Rio. Então hoje não há mais esse preconceito. Pelo contrário. Eu repito, o Brasil hoje é ponta de lança das melhores práticas, dos melhores conceitos criativos. Melhores visões onde você conecta de forma sinérgica e de forma, eu diria, holística, grandes empresas, grandes marcas a conteúdos, a arte, a cultura, a música.

O que falta para o Brasil ter uma política pública sólida e contínua para o setor cultural, que não dependa de mudanças de governos?

Na verdade, o Brasil está caminhando e caminhando bem para cada vez mais se solidificar como um grande produtor de conteúdo. Uma recente pesquisa conduzida pelo Instituto Cultural Itaú identificou que o campo da economia criativa significa já 2,65% do PIB total brasileiro. Então hoje o campo da economia criativa, e a música está inserida nisso, ele já está muito solidificado. E só por de vista público, a gente tem hoje importantes mecanismos de leis, de incentivos, que têm sido fundamentais. Independente das trocas de governo, felizmente, seja no campo federal, estadual ou municipal, independente de quem está na cadeira executiva, as leis tem seguindo e muito sólidas. Agora, sempre muito importante que o poder público compreenda a dimensão da economia criativa desse país. É, de fato, o maior produtor de arte e cultura do mundo. Então o poder público tem que cada vez mais solidificar o seu entendimento de que a cultura molda a personalidade de um país. Então é fundamental investir em arte, investir em cultura, investir em música. É claro que a França é reconhecida pela sua arte, pela sua cultura, os Estados Unidos da mesma maneira, a China agora, enfim, tantos países.

Você é um observador atento da cena musical. Como está vendo essa nova geração de artistas, a novíssima MPB? Há nomes que te empolgam?

A gente precisa ainda fortalecer, sendo que eu entendo que a gente vem em um caminho de fortalecimento. Muitos nomes hoje empolgam a cena musical, há muitos nomes. Claro que você tem aí gêneros mais populares, que têm muita preponderância, mas há nomes espetaculares surgindo na cena. O Brasil segue sendo. Um grande produtor, entre aspas, de grandes talentos, como, por exemplo, Agnés Nunes, como, por exemplo, o Theo Bial. Enfim, muitos nomes que estão pintando artistas de altíssimo nível, a Xênia França, enfim, muitos nomes. Então, eu vejo com muito orgulho e muito otimismo o volume de grandes artistas que o Brasil hoje tem produzido.