Por: Affonso Nunes

Marya Bravo entre ruídos e delicadezas

Nobru, Marya Bravo e Dony Von formam o trio criativo que idealizou a concepção de 'Eterno Talvez' | Foto: Leo Aversa/Divulgação

Marya Bravo retorna à cena musical com "Eterno Talvez", álbum que marca seu reencontro com a música após mais de uma década longe dos estúdios e palcos. O lançamento oficial acontece nesta quarta-feira (28) em show no Audio Rebel, em Botafogo. O novo trabalho da artista se revela denso e delicado, alternando atmosferas sonoras. Ritmos como trip hop, jazz, cabaré e música eletrônica se entrelaçam num diálogo provocador.

Filha dos músicos Zé Rodrix (1947-2009) e Lizzie Bravo (1951-2021), Marya construiu sua trajetória artística entre o teatro e a música, ainda que, nos últimos anos, tivesse decidido se afastar da carreira musical para seguir outras atividades. Essa decisão, porém, foi abalada por um convite inesperado para integrar o musical "Clube da Esquina - Sonhos Não Envelhecem", dirigido por Dênis Carvalho com direção musical de Kassin. A produção não só a levou de volta ao convívio com a música, mas também despertou memórias afetivas profundas, já que Milton Nascimento, padrinho de casamento de seus pais, esteve ligado ao espetáculo. Essa vivência reacendeu uma paixão quase esquecida, reabrindo portas para um caminho que Marya julgava ter deixado para trás.

O processo de criação de "Eterno Talvez" começou há dois anos enquanto marya dividia seu tempo entre a temporada do musical em São Paulo e as sessões no estúdio Graveá, no Rio, sob a produção de Nobru, parceiro musical e figura central em seus três discos anteriores. O estúdio, do qual Marya tornou-se sócia, foi palco das experimentações e da união criativa entre Marya, Nobru e Dony Von, músico que veio a se tornar peça fundamental nesse novo capítulo da cantora. Conhecido da cena independente carioca e integrante do Muzgo, ele colaborou ativamente no desenvolvimento das canções, ajudando a definir uma estética sonora que mistura influências variadas.

A metáfora das "duas esquinas", usada por Nobru para explicar a proposta do disco, resume bem a mistura inusitada que permeia o trabalho: "numa esquina, uma banda de hardcore e punk rock; na outra, uma cantora acompanhada por piano". Essa colisão estética, mais conceitual que sonora, deu origem a um álbum onde guitarras distorcidas e beats eletrônicos se equilibram com piano, violão e cordas, dando ao disco um caráter experimental, mas acessível. Na busca por ampliar a paleta sonora, a equipe incorporou ao estúdio instrumentos pouco familiares, como violino e violoncelo, com os quais tiveram experiências distintas — especialmente com o violoncelo, gravado aos pedaços.

Influenciado por nomes como Portishead, Björk e o trio Metá Metá, "Eterno Talvez" propõe uma sonoridade que oscila entre a densidade e a suavidade, sem jamais se perder naquilo que o trip hop sabe fazer de melhor: manter a tensão emocional em equilíbrio delicado. O disco evita a agressividade do punk, mais presente como uma pressão estética do que como ruído, e mergulha nas atmosferas do jazz dos anos 40, da música eletrônica downtempo e do hip hop instrumental, em arranjos que combinam a crueza com o refinamento.

As letras de Marya refletem a complexidade dos relacionamentos, as crises existenciais e o desconforto de um tempo incerto. O que aparenta ser uma narrativa pessoal tem aderência e soa abrangente.

A parceria com Nobru, que já vinha dos trabalhos anteriores, se fortaleceu nessa nova fase. Ele não é apenas produtor, mas uma figura familiar para Marya — já foi casado com sua irmã e sempre esteve presente como amigo e colaborador próximo. A entrada de Dony Von completou o trio criativo, ampliando as possibilidades do projeto.

Com "Eterno Talvez", Marya Bravo recupera o frescor da descoberta musical, algo que serve de combustível para a caminhada.

SERVIÇO

MARYA BRAVO - ETERNO TALVEZ

Audio Rebel (Rua Rua Visconde Silva, 55 - Botafogo) | 28/5, às 20h

Ingressos: R$ 25