Por: Affonso Nunes

O outro palco de Reginaldo Faria

Em paralelo ao seu trabalho como ator e diretor, Reginaldo Faria compunha canções que revela agora no álbum 'Violão' | Foto: Fotos/Mônica Martins/Divulgação e Divulgação

Com uma longa carreira dedicada à televisão e ao cinema, Reginaldo Faria se tornou um rosto familiar para o público brasileiro. Protagonizou tramas marcantes como "Vale Tudo", "Água Viva", "Dancin Days" e "Baila Comigo", além de participações expressivas em produções como "O Clone", "Espelho da Vida" e "Tieta". No cinema, atuou em clássicos como "Assalto ao Trem Pagador", "Lúcio Flávio" e "Cazuza - O Tempo Não Para". Mas poucos sabem que, longe das câmeras, Reginaldo cultivou outro ofício com igual entrega: a música.

Desde a juventude, o violão foi seu refúgio íntimo. "Era meu companheiro nos momentos de alegria e solidão", conta. Muitas das composições que nasceram nesses encontros silenciosos permaneceram restritas a amigos próximos, trilhas de novelas e filmes. Agora, essas criações ganham o público com o lançamento do álbum "Violão", que chega às plataformas digitais pela gravadora Kuarup.

A abertura do disco, "Arpejo em Fá", nasceu das aulas exigentes de um antigo professor. Composta como um exercício de técnica e dedicação, a faixa traduz a influência didática que marcou seu início musical. Já "Baseada em Astúrias" presta homenagem ao compositor espanhol Isaac Albéniz, cuja obra o levou a imaginar-se entre os grandes violonistas.

Em "Navegar com Regis e Celo", a inspiração vem do amor. O mar, símbolo da infinitude, representa uma relação que parecia inabalável. Outras vezes, a criação emergia do instante: "Dia dos Namorados", por exemplo, tem o mesmo título de uma peça teatral escrita por ele, mas foi composta em resposta ao momento vivido, não ao enredo cênico.

A imaginação também se alia à escuta. "Romance", apesar do nome, não segue uma lógica romântica. "Ouvi esse ritmo em algum lugar e ele ficou em mim", explica. Em "Catedral", os sons graves e agudos dos sinos se alternam como se estivessem em igrejas diferentes, criando um clima contemplativo.

A música "Ré Menor e Omar" relembra Jorge Omar, um violonista amigo de Reginaldo. Ao lado dele, a figura paterna surge em "Pai", talvez a mais tocante do repertório. Composta num quarto pequeno, ao lado de uma estante feita pelo próprio pai, a canção carrega uma história de perda, memória e um suposto estalo no meio da noite - como se a presença do pai ainda rondasse o instrumento.

"Sax e Violão" nasceu para o cinema. A composição acompanha a história de dois garotos que, em estados diferentes, criam a mesma melodia sem jamais terem se conhecido. Em "Estudo Para Violão", a ausência de motivos levou à simplicidade do nome: era só ele, seu instrumento e o som.

Outras peças remetem a lugares e sentimentos específicos. "Tarde Cinzenta" evoca a melancolia do início de carreira, vivida num apartamento alto na avenida São João, em São Paulo. "Wilmar Saudades" homenageia um tio querido, ignorada por anos até ser redescoberta por um cantor em Roma. A música acabaria integrando a novela "Espelho da Vida", embalando o par romântico vivido por ele e Irene Ravache.

A faixa final, "Trânsito Maluco", foi composta ainda na adolescência, fruto da inquietação de um menino de treze anos com dedos ágeis e influências que ele nem sabia nomear. "Não sei definir. Mas sei que tinha uma vontade voraz de tocar."

Em "Violão", Reginaldo Faria revela um lado autoral que permaneceu à margem por décadas. Um projeto feito com a alma, agora livre para encontrar outros ouvidos e outras histórias.