Filho do maestro Armando Prazeres, fundador da Orquestra Petrobras Sinfônica, e da cantora Manuela Prazeres, Felipe cresceu rodeado de música. Aos 11 anos, escolheu o violino. Aos 17, já trabalhava profissionalmente. Aos 20, tornou-se spalla da orquestra criada pelo pai. E há 15 anos iniciou seu caminho na regência, que hoje compartilha com o irmão, o também maestro Carlos Prazeres.
Também maestro titular da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal e fundador da Johann Sebastian Rio, que sairá em turnê no exterior, ele destaca, na entrevista abaixo, a diferença entre os três projetos e fala do desafio de levar a música de concerto a novos públicos.
Você cresceu em uma casa profundamente musical. Como isso moldou sua identidade artística?
Felipe Prazeres - Minha infância e juventude foram marcadas pela música de concerto. Essa memória e os sentimentos que a música proporciona desde cedo fizeram — e fazem — diferença na minha vida até hoje, seja na execução de determinado repertório, seja na minha comunicação com o público, na fruição desse gênero musical que não é amplamente divulgado para a população.
O que te levou a escolher o violino e, posteriormente, a regência?
Foram escolhas naturais. Primeiro o violino, porque desde sempre me encantou, pelo vasto repertório e por ser uma voz na orquestra sinfônica que, na maioria das vezes, detém as principais melodias do grande repertório. Na minha trajetória no violino, pude exercer o cargo de spalla, ou seja, o "primeiro violino" de uma orquestra sinfônica, que carrega consigo várias funções — dentre elas, decodificar os gestos do maestro. A escolha da regência é uma extensão desse mundo sem limites da arte da interpretação do repertório orquestral. Sem contar também que meu pai era maestro e meu irmão mais velho, Carlos Prazeres, é maestro de duas orquestras no Brasil. Então está no sangue mesmo.
Hoje você atua como maestro titular da OSTM, maestro associado da OPES e regente/diretor artístico da Johann Sebastian Rio. Como conciliar esses três papéis tão distintos? E que diferenças artísticas você percebe entre essas três frentes?
De fato são três vertentes bem distintas dentro desse universo. O Theatro Municipal me proporciona confrontar o gênero mais completo de todos, que é a ópera, onde não somente questões musicais são relevantes, mas toda a riqueza da dramaturgia atrelada ao título que será feito. Reger ópera é sempre desafiador, pois o maestro é o elo entre a orquestra (que toca no fosso) e a cena que transcorre no palco. É um trabalho que exige muita dedicação e concentração. Na Petrobras Sinfônica, orquestra que me fez ser músico, o desafio maior é abordar o grande repertório da música de concerto. Ali a orquestra é a protagonista e, ao mesmo tempo, há a abordagem com a grande variedade timbrística que uma sinfônica pode proporcionar. O fato de eu pertencer a esse grupo há 31 anos me faz ter uma relação de muita cumplicidade musical com meus colegas. Já a Johann Sebastian Rio traz um momento diferente na minha vida, pois se trata de um grupo menor, que aborda um repertório mais camerístico, onde a comunicação entre nós se torna mais estreita. Na Johann eu atuo como violinista na maioria das vezes, então é o lugar em que continuo a exercer o papel de músico, além de diretor artístico.
Você é um maestro conhecido pelo gosto da inovação e leva isso para seus trabalhos. Mas em qual contexto você sente mais liberdade para experimentar novos repertórios ou formatos?
Penso que a música de concerto — e a própria orquestra — precisa acompanhar os novos tempos. Inovar nesse terreno é muito interessante, pois me permite essa abordagem mais eclética, misturando repertórios populares e tendo o olhar de que uma orquestra é um grande instrumento musical e, no meu ver, aberto a qualquer repertório, independente do gênero.
Como foi assumir a regência em uma orquestra fundada por seu pai? Que tipo de responsabilidade emocional isso carrega? E de que forma a memória dele segue presente no trabalho que você desenvolve hoje na OPES?
É uma responsabilidade grande levar esse legado enorme que meu pai deixou, pois se trata hoje de uma das mais importantes orquestras da América Latina. Posso dizer que construí uma relação de amizade e confiança com esse grupo tão querido que me permite estar à frente hoje nos principais concertos e turnês. A memória de Armando Prazeres sempre esteve presente e sempre estará, pois o objetivo desse projeto, criado há 50 anos, era levar a música de concerto para o grande público — e isso continuamos a fazer. A própria Academia Juvenil da Petrobras Sinfônica, da qual participei da fundação, perpetua esse legado.
Vamos falar agora da OSTM? Como você enxerga seu papel no cenário cultural carioca e nacional?
Estar no Theatro Municipal hoje é um grande privilégio, pois se trata do palco mais importante do nosso Estado. Minha contribuição vem muito da comunicação com as diferentes plateias que lá se encontram, de trazer cada vez mais um público novo, curioso para saber mais sobre tudo de maravilhoso que acontece naquele lugar sagrado. Sou eternamente grato aos meus queridos colegas dessa orquestra que me abriu uma porta tão importante nesse momento da vida.
Como surgiu a ideia de criar a Johann Sebastian Rio? Como equilibrar um mestre da tradição de Bach com a irreverência carioca? E o maior aprendizado de misturar repertórios tão distintos?
A Johann, além de ser um grupo com uma excelência artística diferenciada, também é uma reunião de grandes amizades. Fazer música profissionalmente com grandes amigos é o sonho de qualquer músico. Nessa orquestra nós misturamos Bach e samba naturalmente, e isso nos permitiu gravar nosso primeiro álbum. Estamos de malas prontas para a segunda turnê internacional. Na Johann trabalhamos com grandes solistas, em especial o violinista alemão Linus Roth, um dos maiores da atualidade, que toca num violino Stradivarius maravilhoso. Essa troca não tem preço e cada vez nos abre mais portas.
O que representa para você levar esse projeto à Europa neste momento da sua carreira?
É um grande marco. Estamos levando um trabalho que nasceu do encontro entre a tradição e a brasilidade, e poder apresentar isso para públicos europeus é uma validação artística muito importante. Representa também o reconhecimento de que a música de concerto feita no Brasil tem voz e identidade.
Como é trabalhar novamente com o violinista Linus Roth, com quem você já tem uma parceria artística sólida?
É sempre um enorme prazer. Linus é um artista com uma sensibilidade única e uma sonoridade que inspira todos à sua volta. A nossa parceria se fortalece a cada encontro, e a presença dele agrega muito aos nossos projetos na Johann Sebastian Rio.
O que você gostaria que o público sentisse ao ouvir "Sambach"?
O álbum é resultado dessa mistura de universos, dessa ponte de Bach e Villa-Lobos que gerou grandes compositores nacionais. É um álbum para desfrutar em casa, na academia e, claro, numa sala de concerto.
Como você enxerga o papel da música de concerto no Brasil hoje?
A música de concerto sempre passará pelo desafio de se comunicar nos novos tempos. Cabe a esses interlocutores desmistificar a orquestra e trazê-la cada vez mais para perto do público. Penso que o segredo está na comunicação e na abordagem com o público.
Fale de projetos futuros. O que vem por aí?
Muitos projetos com esses três grupos estão por vir, e eu não me canso de estudar para dar conta disso tudo.