Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Anne Carrere: 'A música compartilha sentimentos universais'

Anne Carrere, cantora francesa | Foto: Marcelo Brammer/Divulgação

Instigada pelo Correio da Manhã para um dia montar um show só com hits de Yves Montand (1921-1991), a francesa Anne Carrere embarca no desafio e improvisa umas notas do sucesso "La Bicyclette" no papo via Zoom sobre os ícones da paixão no cancioneiro do Velho Mundo. Dois deles mobilizam uma série de espetáculos que ela fará no Brasil a partir do fim do mês: Édith Piaf (1915-1963), que completaria 110 anos em 19 de dezembro, e Charles Aznavour (1924-2018).

Sua turnê brasileira, organizada pela Poladian Produções, inclui: Porto Alegre (29/5), Curitiba (30/5), Belo Horizonte (31/5), São Paulo (1/6), e Rio de Janeiro (7 e 8/6), onde se apresenta no Theatro Municipal.

Empenhada em reviver ícones imortais da indústria fonográfica essenciais à França do pós-II Guerra, Anne vasculha a intensa relação artística e afetiva entre Piaf e Aznavour, parceiros profissionais e grandes amigos. Quando Aznavour ainda era um jovem compositor sem fama, com aspirações ao estrelato, foi Piaf quem lhe estendeu a mão e o apresentou ao mundo. Ela o levou em turnês e incentivou-o a cantar suas próprias músicas. Piaf não apenas interpretou algumas de suas primeiras composições, como também foi sua mentora e incentivadora. Anos depois, Aznavour se tornaria o artista francês mais conhecido internacionalmente, com mais de 100 milhões de discos vendidos, numa carreira de sete décadas.

Essa conexão única é refletida no espetáculo que Anne traz aos palcos, acompanhada por quatro maestros, sob arranjos de Guy Giuliano. Durante 90 minutos, o público é transportado à Paris do século XX, dos bares e ruas onde Piaf começou sua trajetória. O show também abre espaço para a sensível homenagem a Aznavour, com a interpretação de clássicos como "La Bohème", "Je m'voyais déjà", "Jezebel", "Formidable" e "Les Deux Guitares".

Na entrevista a seguir, esse rouxinol nascido em Toulon faz um inventário da memória sentimental europeia.

Tanto Édith Piaf quanto Charles Aznavour tiveram o rádio como aliado central na guerra pela consolidação de suas carreiras, como foi praxe com todo grande ídolo da canção popular do seculo 20. O que ocupa o lugar da cultura radiofônica nestes tempos em que a música é descoberta e consumida pelas vias digitais?

Anne Carrere: Ouve-se muito bate-estaca, aquele "pumpumpum" no rádio de hoje, que pode ser ouvido online. Na Europa, existem rádios, como a France Bleu Provence, que ainda tocam um repertório romântico do passado. Muitos países têm emissoras assim. As pessoas que amam esse cancioneiro hoje vão à internet, buscam vídeos, gravações antigas. Essa cultura se mantém.

Dentro dessa manutenção da tradição romântica, qual é o maior desafio de se cantar o amor hoje, diante de tanta polarização?

A música compartilha sentimentos universais. Daí a relevância de se cantar o amor.

Em que momento da sua carreira Édith Piaf virou um norte e uma paixão?

Um dia, eu fui submetida a uma audição, numa escolha de elenco para um projeto, e pediram que eu cantasse Édith e Aznavour. Fui reconhecida de cara como intérprete dela. Isso se deu porque eu não a imito, eu busco trazer à tona a identidade dela do meu modo. Piaf carrega em si a velha Paris.

Que releitura você oferece ao repertório de Aznavour?

Sou uma mulher cantando canções de um homem que cantou o amor a partir de sua perspectiva. Tento aceitar a visão dele e incorporá-la à minha feminilidade, sem incorrer na caricatura.

Como é a sua relação com a MPB?

A canção brasileira é quente. Quando eu me deparo com Elis Regina e Bibi Ferreira, eu encontro registros do amor com muito calor e verdade. Eu estou preparando uma surpresa para o show que passa por esse terreno da música brasileira.

Falando de brasilidade, qual seria a sua "francesidade", ou seja, de que França você fala em seus shows?

Eu canto uma França popular, que se remonta ao romantismo dos anos 1950 e 60. Há uma nova geração que canta o querer lá hoje. De tempos em tempos, temos uma renovação de talentos que se ligam à herança de Jacques Brel, de Mireille Mathieu.