Por: Affonso Nunes

No ritmo da ancestralidade

O trio formado por Ricardo Santoro (cello), José Staneck (harmônica) e Marina Spoladore (piano) faz um dos gêneros mais importantes dos séculos 18 e 19 pulsar novamente | Foto: Bárbara Lopes/Divulgação

Depois de estrear em março no Sesc São Gonçalo, o espetáculo "Lundu Brasileiro" chega ao Sesc Tijuca nesta terça-feira (6) com a proposta de lançar luz sobre um dos mais antigos e influentes gêneros musicais do país. Originado de uma dança africana trazida por escravizados angolanos no século 18, o lundu mesclou elementos da cultura africana com traços da música portuguesa e espanhola, dando origem a uma forma rítmica sincopada que influenciaria o maxixe, o choro e o samba.

A iniciativa faz parte da programação do edital Sesc Pulsar 2024/2025 e seguirá para outras duas unidades do Sesc no estado do Rio de Janeiro: Teresópolis (25/10) e Nova Friburgo (29/11).

O projeto é idealizado pela cravista e pesquisadora Rosana Lanzelotte, fundadora do portal Musica Brasilis. Com direção musical dela, o espetáculo reúne os músicos Marina Spoladore (piano), José Staneck (harmônica) e Ricardo Santoro (violoncelo), responsáveis por interpretar as obras e também conduzir o público por uma viagem contextual, com comentários históricos que situam cada peça em seu tempo. "A ideia é mostrar que o lundu não é uma curiosidade do passado, mas um elo fundamental na formação da identidade musical brasileira", afirma Rosana.

O repertório destaca tanto os primeiros lundus registrados no país quanto obras de compositores que incorporaram o gênero em suas criações. Estão no programa peças de Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Heitor Villa-Lobos, além de obras raras descobertas por Rosana em arquivos europeus. Um dos destaques é o "Landum das Beatas", peça instrumental encontrada na Biblioteca da Ajuda, em Lisboa, que será apresentada pela primeira vez no Brasil. Outra raridade é o lundu recolhido pelos naturalistas Spix e Martius durante expedição pelo interior brasileiro entre 1817 e 1820.

O espetáculo também recupera o lundu "Isto é bom", de Xisto Bahia, considerado o primeiro registro fonográfico feito no Brasil, em 1902, pela Casa Edison. A peça é um marco da transição entre o século 19 e o início da indústria fonográfica brasileira. Outro momento de destaque é a apresentação da polca-lundu "Você bem sabe", composta por Ernesto Nazareth aos 14 anos, sinalizando já na juventude o vínculo com a tradição popular. "Nazareth é um dos maiores exemplos da fusão entre o erudito e o popular, e o lundu foi essencial nessa equação", diz Marina Spoladore.

O gênero também se expandiu regionalmente. No Norte do país, ganhou força com compositores maranhenses como Leocádio Alexandrino dos Reis Rayol e Antônio dos Reis Rayol, cujas composições também integram o programa. Fechando o espetáculo, está o célebre "Lundu da Marquesa de Santos", de Villa-Lobos, peça emblemática do modernismo musical brasileiro.

Em 2025, no contexto das comemorações do Ano Brasil-França, "Lundu Brasileiro" será apresentado em duas cidades francesas. No Château d'Arcangues, na região de Bordeaux, o concerto acontece em 17 de maio com Rosana Lanzelotte (cravo) e Clea Galhano (flautas doces). Já em Paris, o espetáculo será encenado na Bibliothèque de l'Arsenal em 12 de junho, com Julien Chauvin (violino), Olivier Baumont (cravo), Paulo Aragão (violão) e Rosana Lanzelotte (pianoforte). A turnê internacional é parte do esforço do projeto de reposicionar o lundu no cenário da música clássica global.

O espetáculo nasce do trabalho contínuo do Musica Brasilis, instituto fundado por Rosana há 15 anos com o objetivo de promover o patrimônio musical brasileiro por meio da digitalização e difusão de partituras. O acervo da plataforma, acessível gratuitamente, conta hoje com 4.934 partituras de 433 compositores brasileiros em domínio público. O projeto foi ampliado com apoio do Instituto Cultural Vale e do BNDES, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. "Nossa missão é democratizar o acesso à música de concerto brasileira. E isso só é possível com acesso irrestrito às partituras", destaca Rosana.

A credibilidade do Musica Brasilis tem garantido reconhecimento internacional. A plataforma é apoiada pela Unesco, pelo IBICT/MCTI — responsável pela preservação digital —, pela Wikimedia Commons e pelo programa Google for Nonprofits. Além disso, foi incorporada à Rede da Memória Virtual Brasileira, da Fundação Biblioteca Nacional, e ao programa de Web Archiving da Library of Congress, nos Estados Unidos. O catálogo completo pode ser consultado no portal www.musicabrasilis.org.br.

SERVIÇO

LUNDU BRASILEIRO

Sesc Tijuca (Rua Barão de Mesquita, 539, Tijuca)

6/5, às 19h

Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia)