Por: Affonso Nunes

Voz e violão a serviço da arte (em estado puro)

Yamandu Costa e António Zambujo iniciam nesta semana turnê que passará por 11 cidades. A mistura de ritmos e sonoridades dá o tom do show que reúne o brasileiro e o português | Foto: Kenton Thatcher/Divulgação

Seja dividindo o palco ou trabalhando arduamente em estúdio eles são dois "amigos de infância" que estreitam os laços que unem Brasil e Portugal na música. Após o sucesso de "Prenda Minha", lançado em 2024, o violonista gaúcho Yamandu Costa e o cantor português António Zambujo iniciam nesta sexta-feira (14), em Curitiba, uma turnê que passará por 11 cidades brasileiras, celebrando uma amizade que vem desde 2008. Aapresentação no Rio será no dia 28, no Circo Voador.

O repertório especialíssimo passeia por canções de Chico Buarque, Tom Jobim e Lupicínio Rodrigues, além de clássicos latino-americanos e composições autorais. Voz e violão em harmonia a serviço da arte. O setlist reflete as raízes musicais da dupla. No palco, interpretam bossa nova, música tradicional portuguesa, choro, chamamé, guarânia e bolero mexicano, além de "um monte de coisas diferentes que a gente gosta de ouvir", como explica Yamandu.

Um dos destaques é "Nervos de Aço" (Lupicínio Rodrigues), cujos versos se encaixam no timbre marcante de Zambujo e no compasso do violão de sete cordas de Yamandu. "Prenda Minha", composta por Yamandu em parceria com Paulo César Pinheiro, também marca presença.

A dupla revisita ainda temas consagrados do cancioneiro nacional, como "Valsinha" (Chico Buarque e Vinícius de Moraes), "Gente Humilde" (Chico, Vinícius e Garoto), "Falando de Amor" (Tom Jobim) e "Tristeza do Jeca" (Angelino de Oliveira). Os ritmos latino-americanos ganham espaço com "Profecía" (Adolfo Guzmán), "Recuerdos de Ypacaraí" (Demetrio Ortiz e Zulema de Mirkin) e "Cosechero" (Rámon Ayala). O resultado é um encontro de sonoridades e influências que cativa o público.

"Não seguimos fórmulas. Nossa parceria tem algo de intuitivo. Meu violão se propõe a abraçar a voz do Zambujo. O som das cordas conduz a letra. Formamos um duo de câmara", brinca Yamandu.

A turnê traz novidades para os fãs brasileiros. Em 2025, a dupla gravou um segundo álbum, "Sur", dedicado à música em espanhol, com exceção de "Resposta ao Tempo", um clássico de Aldir Blanc. O título remete às origens de ambos, nascidos ao sul de seus países. Três faixas do disco estão no repertório do show: "Resposta ao Tempo" (Aldir Blanc e Cristóvão Bastos), a valsa "Nube Gris" (Eduardo Márquez Talledo) e "Volver a mi raíz" (Lúcio Yanel).

"Nossas raízes vêm do Sul, daí o nome do álbum. Eu sou do Alentejo, o Yamandu, do Rio Grande do Sul. São regiões culturalmente ricas, que moldaram nossa educação musical. Fazemos música do nosso tempo, mas com um pé fincado na tradição. Isso nos aproximou. Cantar ao lado de um músico que admiro tanto é um privilégio", diz Zambujo.

O disco foi gravado em apenas três dias no estúdio de Yamandu, em Lisboa, reforçando uma parceria iniciada em 2008, quando Zambujo fez sua primeira apresentação no Brasil. A amizade foi imediata. Convidado para tocar no show de estreia do português no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, Yamandu aceitou sem hesitar. "Marcamos um ensaio, mas a sintonia foi tão forte que nem precisamos ensaiar. Viramos amigos de infância", relembra o violonista. Zambujo, então, já se destacava como um dos maiores intérpretes da música portuguesa e seu embaixador pelo mundo.

Em 2014, fizeram uma turnê por algumas cidades brasileiras, mas o desejo de aprofundar os laços musicais permaneceu. A conexão se fortaleceu há quatro anos, quando Yamandu se estabeleceu definitivamente em Portugal, incentivado pelo próprio Zambujo.

A nova temporada de shows começou no Auditório Nacional de Madri, em janeiro. Até o fim do ano, a agenda está cheia. "Trabalhamos de maneira simples. Não gostamos de regravar uma música várias vezes. Buscamos capturar a essência do momento, do jeito que a canção pede. Temos uma sintonia fina no palco e no estúdio. Eu sempre fui solista e vejo a voz como um instrumento. O que me encanta na parceria com o Zambujo é que buscamos um lugar além da canção. Às vezes, nem é preciso tocar muitas notas. Eu deixo a palavra falar mais alto", diz Yamandu.