Por: Affonso Nunes

Memória de Dorival Caymmi é sequestrada

Cantor, compositor e pintor, Dorival Caymmi levou sua amada Bahia a todo o Brasil a partir de sua obra | Foto: Arquivo Nacional

Em "Paratodos" Chico Buarque já cantava "Nessas tortuosas trilhas / A viola me redime / Creia, ilustre cavalheiro / Contra fel, moléstia, crime / Use Dorival Caymmi". Falar da importância deste cantor e compositor baiano (1914-2008) para a cultura brasileira é como chover no molhado. Sua obra musical é ouvida e apreciada por pessoas de todas as idades e seu legado extrapola a música, influenciando a literatura, a pintura e outras formas de expressão artística. Em novembro, o perfil do artista no Instagram - com certa de 18,5 mil seguiddores - foi invadido e hackeado.

"Em novembro, recebi email do Instagram falando que o email de admistração da conta havia sido alterado. Desde então perdi o acesso ao perfil. E o que é pior: todas as postagens que fiz desde 2018 foram apagadas", denuncia o artista gráfico Gabriel Caymmi, neto de Dorival e que trabalha com a obra do músico nas redes, visando perpetuar seu legado.

Com apuro gráfico, o perfil do patriarca do clã Caymmi funcionava como um museu virtual do artista, destacando sua biografia e obra, constituindo um valioso material de consulta para fãs e pesquisadores "Todas as músicas dele eram agrupadas por temas. Depois da invasão, tudo isso foi apagado", queixa-se Gabriel, que pretende levar o caso à Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI).

 

'Estamos totalmente dependentes da boa vontade da Meta'

O perfil invadido não possuí postagens e exibe hoje uma foto de uma mulher não identificada. Nos detalhes da conta, nota-se que ela foi migrada para os Estados Unidos, onde certamamente reside o hacker. "Como o Instagram não oferece um canal direto para solucionar esse tipo de problema, estamos totalmente dependentes da boa vontade da Meta", afirma Gabriel, referindo-se à big tech que detém a rede social.

Gabriel Caymmi destaca que esse minucioso trabalho em prol da memória do avô não lhe rende um único centavo, mas destaca o dano moral provocado por essa invasão. "Eu fiz todo um planejamento de postagens infinitas em que um post depende do outro. Foi um trabalho enorme. Mas como Dorival Caymmi não é um influenciador a impressão que dá é que eles não estão nem aí. Eles (o Instagram) têm que mudar essa forma de atender as pessoas aqui no Brasil. Não é possível que não exista um canal de comunicação com os usuários. Eles já ganham tanto dinheiro às nossas custas e a gente não pode fazer nada? Tem muita gente que depende disso para trabalhar. E eles usam nossos dados para ganhar muito dinheiro em cima da gente. Por isso que o aplicativo é gratuito", prossegue.

Procurada pela reportagem, a Meta não respondeu aos questionamentos que o Correio da Manhã fez sobre o caso até o fechamento desta edição. Na ausência de respostas da empresa, decidimos encaminhar uma pergunta à inteligência artificial da Meta sobre a importância de se manter ativos perfis de artistas mortos e a resposta foi a seguinte: "Manter ativos perfis de artistas já falecidos nas redes sociais é importante para preservar a memória e o legado do artista, conectar com os fãs e comunidade, promover e divulgar a obra, educar e pesquisar, e proteger os direitos autorais e gerenciar a propriedade intelectual".

Ainda perguntamos à inteligência articicial da Meta o que se fazer em caso de invasão dos perfis no Instagram. Segue a resposta: "Se você não conseguir recuperar a conta, envie um pedido de ajuda ao Instagram usando o formulário de suporte".

Como se vê, a inteligência artificial da Meta reconhece a importância e relevância de um perfil como o de Dorival Caymmi e recomenda que as vítimas da invasão levem o caso aos canais de suporte do aplicativo. Mas diante do silêncio da empresa, conclui-se que onde sobra inteligência artificial a inteligência humana, a empatia e o respeito são escassos.