A história do Holocausto costuma focar sua narrativa na perseguição aos judeus, mas o terror nazista alcançou diversos outros grupos considerados ameaças ao chamado ideal de pureza ariana. É justamente sobre essas "vítimas esquecidas" que a historiadora Silvia Lerner se debruça em seu novo livro, "As vítimas esquecidas em Tempos de Intolerância: o Nazismo" (Ed. Rio Books).
É a primeira publicação brasileira sobre o tema e se destaca por sua abordagem abrangente. Enquanto as poucas obras internacionais existentes focam em apenas uma minoria por vez, Silvia Lerner reuniu em um único volume a história de pessoas com nanismo, ciganos, comunistas, deficientes físicos e mentais, gêmeos, homossexuais, intelectuais, maçons, mulheres, negros e testemunhas de Jeová que foram perseguidos, torturados e enviados a campos de concentração.
A obra contextualiza historicamente o período e a ideologia racial nazista antes de mergulhar em capítulos dedicados a cada grupo, recheados de relatos de sobreviventes. Entre as histórias narradas está a dos sete irmãos da família Ovitz, pessoas com nanismo que foram submetidas a dolorosas experiências pelo médico Josef Mengele em Auschwitz e formaram a família mais numerosa a sobreviver ao campo.
Filha de sobreviventes do Holocausto, Silvia Lerner alerta para a atualidade do tema. "O tempo de hoje é de muita intolerância, e isso vem há muito tempo", alerta a autora, que é professora especializada em estudos sobre o Holocausto, com formação em Direito, História, Pedagogia e mestrado em Psicanálise, Sociedade e Cultura.
O livro integra uma trilogia sobre o nazismo iniciada com "Arte em Tempos de Intolerância: Theresienstadt" (2021) e "A música e os músicos em Tempos de Intolerância: o Holocausto" (2023).
A seguir, em conversa com o Correio da Manhã, a pesquisadora manifesta suas preocupaçõs com a escalada do ódio e da intolerância.
Quais lições históricas sobre a intolerância e perseguição de minorias o seu livro busca destacar que podem ser importantes para a sociedade contemporânea?
Silvia Lerner - Mostrar que apesar de tantas décadas decorridas, a sociedade contemporânea ainda apresenta muita Intolerância, muito preconceito com o outro, o Diferente daquele que a sociedade impôs como sendo o correto e o esperado.
No livro a senhora descreve experimentos desumanos realizados em minorias como os gêmeos e os ciganos. Como esses relatos contribuem para a compreensão do impacto pessoal e humano do horror nazista?
Minha proposta é desconstruir a ideia de que somente o judeu foi a vítima e mostrar que a desumanidade persistiu com outras minorias também. E desejar que o homem aprenda o que a intolerância é capaz de gerar.
E como a senhora enxerga o ressurgimento das forças políticas de extrema direita atualmente em várias partes do mundo. Essas forças, inclusive, tendem a relativizar as práticas do nazismo...
A extrema direita ressurge para se contrapor com o pensamento de esquerda e é marcada pela polarização, pela crítica a instituições democráticas e pelo discurso contra a "elite corrupta", refletindo a disputa de narrativas políticas, como a da "guerra cultural" e minimizando atitudes da extrema direita do governo nazista.
De que forma este aumento da intolerância religiosa, racial e política pode ser prevenido?
Possivelmente através do conhecimento do que a intolerância é capaz de gerar, ensinando sobre as diferentes formas de Intolerância, não só do século XXI , mas também de séculos anteriores, podendo se chegar até a Idade Média.
Como o trauma coletivo causado pelo Holocausto e outras perseguições nazistas influencia as gerações descendentes dessas vítimas no século 21?
Essa geração de descendentes procura muitas respostas e acredito que esse será o futuro para que se restabeleça a Tolerância entre os homens e os povos.
Quais sinais de alerta devemos observar para evitar que a intolerância evolua para perseguições sistemáticas como as vistas no nazismo? E qual o papel da educação e da memória nesse processo?
A educação e a memória são ferramentas fundamentais para os mais jovens, principalmente eles, pois só quem conhece a História será capaz de fazer com que esses erros não se repitam.