O assunto já foi debatido centenas de vezes, as redes sociais fervilham e os pretensos proprietários da verdade apontam seus canhões para os opositores. Mas não há como deixá-lo de lado. Afinal, o que é ou não é literatura?
O mais novo capítulo desse debate interminável começou em setembro passado. A polêmica da vez foi iniciada pela professora aposentada da USP, Aurora Bernardini, que declarou que obras de autores como Itamar Vieira Júnior, Helena Ferrante e Annie Ernaux não seriam "literatura".
A afirmação gerou um amplo debate no meio literário e uma provocação para discutir os critérios que definem o que é e o que não é literatura.
Na opinião de Bernardini, a ficção contemporânea muitas vezes prioriza o enredo (o "o quê" da história) em detrimento da forma e da maneira como a história é contada (o "como").
Para Bernardini, o que se vê hoje são histórias mais próximas de relatos, e a literatura de verdade exigiria um maior cuidado com a inventividade e a brincadeira com as palavras, um refinamento do estilo. Claro, a declaração gerou reações acaloradas, com outros profissionais e leitores defendendo os autores mencionados e questionando os critérios de Bernardini, consagrada intelectual e professora de vasta carreira.
Anos atrás, o poeta Carlito Azevedo cunhou uma frase que pode ser definitiva para leitores de toda espécie. Disse basicamente o seguinte: "Eu não sou vigia da poesia alheia". Aliás, no próprio campo poético, o consagrado Carlito é bastante criticado por poetas expressivos da vanguarda brasileira, por supostamente pertencer a um grupo de controle das premiações literárias no Brasil, que impede a ascensão de talentos não ligados às grandes corporações, com nomes como os de Manuel da Costa Pinto.
Juntando essa colcha de retalhos, a conclusão simplória do leitor comum é também surpreendente: a ascensão de grandes talentos literários é deveras escassa e, quando acontece, eles não necessariamente são "literatura" (ou "poesia").
Que o mercado editorial brasileiro é elitista e sectário, não resta a menor dúvida. Quanta gente boa por aí publica de forma subterrânea, sem a menor expectativa de apoio ou divulgação? Muita gente mesmo.
Agora, uma outra reflexão é também neceessária, aliás inevitável: por mais que se busque a excelência, só a literatura reconhecida e chancelada pelos grandes próceres é a que vale? Não é possível que existam livros honestos e interessantes que não passem necessariamente pelos ditames da linguagem vanguardista ou do desafio linguístico? Ou a dita literatura se encontra num Olimpo para muito poucos acessos dos seres ditos humanos?
Nunca me esqueço do quebra pau de Truman Capote contra Jack Kerouac, acusando-o de não fazer literatura mas datilografia. O tempo mostrou quem era quem. Quase setenta anos depois de "On the Road", Kerouac ainda dá as cartas para milhões de leitores pelo mundo afora.