Por: Olga de Mello - Especial para o Correio da Manhã

CRÍTICA / LIVRO / BATIDA SÓ: A eterna mania de ter fé na vida

Giovana Madalosso acaba de lançar 'Batida só' | Foto: Renato Parada/Divulgação

As protagonistas dos dois primeiros romances de Giovanna Madalosso guardam muitas diferenças da escritora paranaense, feminista com atividades profissionais mais criativas do que os ofícios de suas personagens. No entanto, a criatividade para sobreviver é o que move essas mulheres. Em "Tudo pode ser roubado" (Todavia, R$ 56,90), lançado em 2018, uma garçonete dublê de ladra recebe a incumbência de roubar um exemplar de livro raro. Em "Suíte Tóquio" (Todavia, R$ 60), de 2010, a babá Maju sequestra a pequena Cora, de quem cuida todos os dias, decidida a fazer da menina sua filha. Já Maria João, a jornalista que descobre, na meia-idade, sofrer de uma severa arritmia cardíaca em "Batida só" (Todavia, R$ 54,90), recém-chegado às livrarias, não precisa de subterfúgios beirando a criminalidade para se sustentar.

Se Maria João é mais "parecida" com sua criadora, a saga que empreende tem semelhança com as trajetórias de suas antecessoras. As narrativas movimentadas são característica de Giovanna Madalosso. Seus dois romances anteriores, ambos finalistas do Prêmio São Paulo, tiveram direitos vendidos para o cinema. Os dez contos do primeiro livro, "A teta racional", de 2018, exploram situações-limite e contemporâneas, mesclando doses de humor, desespero e crueldade, como a da mulher recebe a visita do pai de seu filho, fruto do sexo casual entre o casal de desconhecidos numa festa.

Em "Batida só", a jornalista precisa fazer um cateterismo, caso os medicamentos para o coração e para a ansiedade não melhorem seu quadro. Ela se instala na casa onde passou boa parte da infância, numa cidade do interior, trabalhando em home office e reencontrando os companheiros do passado. Quando retoma a amizade com a evangélica Sara, mãe de Nico, um menino com câncer linfático terminal, acaba acompanhando mãe e filho até o interior de Goiás, onde aceita submeter-se, ao lado do garoto, a uma operação espiritual.

Se Maria João representa as mulheres urbanas da atualidade, amedrontada diante da própria mortalidade, Sara é a evangélica cuja genuína fé não se curva às necessidades pessoais. Sexualmente livre, Sara espera seduzir um homem rico para custear o tratamento do filho. Maria João, ateia, não questiona a crença dos que procuram a cura espiritual. Não existe embate entre os credos - o materialismo e a espiritualidade. Só há a convivência da vida com a finitude.