Por: Affonso Nunes

O desejo como resistência em tempos sombrios

Danichi Mizoguchi narra uma trajetória de desencanto que busca a redenção pelo prazer | Foto: Divulgação

O Brasil dos anos 2010 se desfaz diante dos olhos de Maria, protagonista de "Eterna fantasia", segundo romance de Danichi Hausen Mizoguchi. A obra do autor gaúcho radicado no Rio mergulha no desencanto de uma geração que viu seus ideais progressistas implodindo junto com o país, transformando a micropolítica do corpo e do desejo em última trincheira contra um conservadorismo ascendente.

Autor do premiado "Cinco ou Seis Dias", vencedor do Prêmio Ufes, Mizoguchi narra a vertigem política nacional brasileira, tendo as manifestações de 2013 como ponto de inflexão, seguido pela cascata de eventos que redefiniram o país: a Operação Lava Jato, o impeachment de Dilma Rousseff, o assassinato de Marielle Franco, prisão de Luiz Inácio Lula da Silva e a eleição de Jair Bolsonaro. E, como no mito da caixa de Pandora, cada acontecimento libera consequências devastadoras sobre a vida da protagnista.

Ela vem a ser Maria, mulher de trinta e tantos anos, que trabalha numa ONG e assiste à erosão de tudo ao seu redor. Vínculos se rompem, estruturas desabam, certezas evaporam. É nesse cenário de implosão coletiva que surge Sofia, bem mais jovem, trazendo a possibilidade de recomeço através da ternura e do desejo.

"Capturar o impacto subjetivo da gangorra política brasileira foi uma urgência. Atravessar o assombro me parece ser uma das possíveis ações da literatura, sem que, com isso, ela se preste a entregar soluções ou sínteses. Tratava-se, em última instância, de apresentar esteticamente essa dimensão afetiva que tomou uma parte expressiva da população nacional nos últimos anos. Colocar uma lupa na dimensão micropolítica, tendo como pano de fundo a dimensão macropolítica. Todavia, não bastava tão somente apresentar a bad trip - as fake news, os golpes, os rachas, os esgarçamentos -, mas, apostar em modos de confrontá-la. Este é um livro de disputa de sentidos em meio ao caos subjetivo e a derrocada ética", disse ao autor.

As respostas para Maria emergem na geografia urbana carioca, onde Maria transita: Centro, Lapa, Botafogo, Humaitá e Santa Teresa. O autor mapeia essa jornada sensorial entre cervejas, baseados, beijos, danças até o amanhecer e o prazer do sexo. A protagonista também percorre Cuba e Uruguai, sempre em busca de algo que resista ao colapso civilizacional.

Em tempos de polarização ideológica, fake news e cancelamentos, Mizoguchi propõe que a micropolítica afetiva pode ser revolucionária, transformando o desejo em antídoto contra a tristeza conservadora que contamina o país.

Macaque in the trees
Eterna Fantasia, de Danichi Mizoguchi | Foto: Divulgação