Por: Affonso Nunes

Arlindo Cruz, o homem dos versos certos

Arlindo tem sua trajetória contada pelo jornalista e produtor Marcos Salles | Foto: Washington Possato/Divulgação

A trajetória de um dos maiores sambistas brasileiros ganha contornos íntimos e reveladores em "O sambista Perfeito", biografia de Arlindo Cruz assinada pelo jornalista Marcos Salles e publicada pela Editora Malê. A obra vai muito além de curiosidades sobre o artista para conduzir o leitor a uma jornada adentro da história pessoal do compositor, revelando detalhes da relação amorosa com Bárbara Cruz, a Babi, e aspectos da intimidade do casal que nunca foram expostos publicamente. Mais do que isso, o livro constrói um retrato da superação de um artista que, nas palavras do próprio biógrafo, "é um negro e gordo, que foi pobre e venceu".

Com mais de 700 músicas gravadas, uma carreira que o levou a percorrer o mundo e cerca de 3 mil gravações tocando seu banjo, Arlindo tornou-se figura central da cultura brasileira. "Arlindo não é só um sambista, ele é o samba em toda sua amplitude: na religião, na comida, no dia a dia, na maneira de ver e conduzir a vida", descreve o cantor e compositor Rogê, um de seus parceiros mais recentes, na apresentação do livro.

 

A doença que dividiu a vida do artista

O cantor recebe massagem da mulher, Bárbara, num intervalo de gravação no estúdio | Foto: Acervo familiar

A gênese do projeto revela uma curiosa inversão de papéis. Salles confessa que já nutria o desejo de escrever sobre o sambista, mas havia recuado ao saber que outro autor trabalhava no tema. Foi então que Babi tomou a iniciativa. "Já queria fazer o livro do Arlindo, mas tinha ouvido dizer que alguém estava fazendo. Fiquei, então, na minha. Até que a Babi me intimou a fazer. Não foi um convite. Ela disse que só eu poderia fazer o livro dele", relata o jornalista, que aceitou o desafio no início de 2021.

A estrutura narrativa escolhida por Salles é cinematográfica e impactante. O livro se abre com os dias que antecederam o AVC sofrido por Arlindo em 17 de março de 2017, momento que dividiu sua vida num antes e depois. A partir desse marco dramático, a biografia recua no tempo, percorrendo a infância do compositor, os primeiros contatos com a música através do pai que tocou com Candeia e enfrentou a prisão, os tempos difíceis marcados pelos esquadrões da morte, a experiência formativa na Escola Preparatória de Cadetes do Ar em Barbacena (MG), até chegar aos primórdios do Fundo de Quintal.

Macaque in the trees
Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho em show deste último no Teatro Carlos Gomes | Foto: Acervo familiar

O percurso biográfico abrange toda a trajetória artística de Arlindo, desde os primeiros acordes no grupo que ajudou a fundar até a consolidação da carreira solo, passando pela participação no programa "Esquenta" da TV Globo e as parcerias que o aproximaram das novas gerações, especialmente através de Marcelo D2 e Rogê.

O trabalho de apuração de Salles, que já havia lançado obra sobre a trajetória do Fundo de Quintal, impressiona pela amplitude. O autor entrevistou 120 pessoas, construindo um mosaico de depoimentos que inclui desde grandes nomes da música brasileira como Maria Bethânia, Zeca Pagodinho e Maria Rita, até figuras da televisão como Regina Casé, além da família do compositor um painel de vozes que revelando as diferentes facetas do artista.

"Eu conheci o Arlindo há muito tempo. nada me surpreendeu nos depoimentos, mas foi bacana saber a visão das pessoas que ouvi sobre ele. e praticamente todos destaca a sua generosidade,o que ele fazia pelas pessoas. Ela ajudou muita gente, estava sempres querendo novos parceiros para compor e não tinha isso de que o cara não fosse conhecido. Essa generosidade maior do que o prório Arlindo", conta Salles

Mais que um sambista, Arlindo é dono de uma filosofia de vida que perpassa toda a narrativa desencadeada por Salles. Um exemplo desse jeito Arlindo de ver a vida é sua concepção do samba como veículo de alegria. "Gosto do povo cantando! Sou a favor do refrão! Samba não tem que ter só essa preocupação social, tem que ter alegria. Samba é alegria", dizia o compositor, definindo sua missão artística como a busca por "dar um pouquinho de mim pro povo ficar feliz e se lembrar de mim com alegria".

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Arlindo é recebido em casa pela família durante a Copa do Mundo da Rússia, em 2022 | Foto: Acervo familiar

"O Sambista Perfeito" se propõe e acerta ao traçar um um retrato fiel a um gigante da música popular brasileira, equilibrando a análise da obra com a revelação do homem por trás das canções.