Por: Affonso Nunes

Um manifesto da resistência feminina

Marieta Severo | Foto: Gustavo Malheiros

O fotógrafo Gustavo Malheiros transformou uma inquietação pessoal em projeto editorial de impacto social. O projeto "Mulher Viva" nasceu do que ele próprio define como "impulso urgente" de amplificar vozes e rostos de mulheres que estão na linha de frente da luta contra o feminicídio. O resultado é um livro que funciona como manifesto visual, reunindo 25 personalidades de diferentes áreas em torno de uma pergunta central: "O que é ser mulher hoje?". Estão presentes desde ícones da música popular brasileira como Alcione e Mart'nália até atrizes consagradas como Dira Paes, Marieta Severo e Regina Casé. O elenco inclui ainda figuras como a deputada federal Erika Hilton, a comentarista Gabriela Prioli, a diretora da Redes da Maré Eliana Sousa Silva e a própria cearense Maria da Penha, cuja trajetória pessoal resultou na lei que leva seu nome, sancionada em 2006. A diversidade se estende a nomes como Bruna Linzmeyer, Camila Pitanga, Carol Solberg, Clara Buarque, Taís Araújo, Marisa Orth, Ana Kariri, Deise Monteiro de Carvalho, Jurema Werneck, Marcela Cantuária e Kananda Eller.

Como homem abordando um tema tão sensível, Malheiros reconhece a responsabilidade assumida. "No começo do projeto eu me questionei sobre isso, mas acho que é muito importante para todo homem se envolver com a questão do feminicídio no Brasil e no mundo", reflete o fotógrafo. "Nunca vamos saber de fato o que as mulheres sentem e a violência que sofrem, mas podemos ter compaixão; nesse caso, a informação é essencial para isso. Encarei o livro como um aprendizado, hoje sei muito mais sobre o tema."

A curadoria ficou a cargo da escritora Heloísa Teixeira, que faleceu em março, e de Gringo Cardia, que também assina a direção de arte. Teixeira, reconhecida defensora das causas femininas e feministas ao longo de sua trajetória literária, foi retratada por Malheiros antes de sua morte, integrando assim o conjunto de personalidades do livro. "A proposta é reverberar como um manifesto", explica o fotógrafo sobre a concepção da obra.

As entrevistas que acompanham os retratos foram conduzidas pela jornalista Maria Fortuna, seguindo um roteiro que parte sempre da mesma indagação fundamental sobre a condição feminina contemporânea. Essa abordagem permite que cada uma das participantes ofereça sua perspectiva particular sobre os desafios, conquistas e resistências que marcam a experiência de ser mulher no Brasil atual.

Para Malheiros, a escolha da linguagem fotográfica não é casual. "A fotografia tem o poder de transformação. Sebastião Salgado, que nos deixou recentemente, é a prova disso: seu trabalho é um legado para a humanidade", observa. "Sempre acreditei na fotografia com um propósito e espero poder contribuir, usando a fotografia, explorando temas que possam promover a mudança através da conscientização."

A escolha das personalidades reflete diferentes gerações e campos de atuação, criando um panorama abrangente da presença feminina na cultura, política, esporte e ativismo brasileiro.

O trabalho fotográfico de Malheiros busca capturar não apenas a imagem, mas a essência de cada uma dessas mulheres em sua singularidade. Combinado com os depoimentos colhidos por Maria Fortuna, o resultado promete oferecer um retrato multifacetado da condição feminina brasileira contemporânea, abordando desde questões estruturais até experiências pessoais de superação e resistência.