Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

José Miguel Wisnik: 'O sertão vira livro e o livro vira sertão'

José Miguel Wisnik | Foto: Nino Andres/Divulgação

Patrimônio inestimável da prosa brasileira (sejamos justos: da prosa universal), "Grande Sertão: Veredas" vai celebrar seus 70 anos em 2026, mas o Centro Cultural Banco do Brasil antecipa os festejos e realiza, nesta quarta-feira, às 17h30, uma viagem afetiva a suas páginas, tendo o imperativo categórico da excelência de Guimarães Rosa (1908-1956) como norte e a sabedoria de José Miguel Wisnik como bússola. O ensaista e músico paulista responsável por livros como "O Som e o Sentido" (1999) e "Machado e o Maxixe: O caso Pestana" (2008) vai desbravar a geografia do mineiro de Cordisburgo em sua participação no Clube do Leitura do CCBB. A curadora Suzana Vargas e o poeta Ramon Nunes Mello triangulam a bola com Wisnik, que ambiciosa conversar sobre a descoberta das muitas camadas de sentido que um texto literário como o de Rosa tem. Compositor de "Outra Viagem", celebrizada por Alaíde Costa e Ná Ozzetti, ele bate um papo com o Correio da Manhã sobre as minas auríferas de palavras das Gerais.

Qual é a melodia das Veredas de Rosa e o que nela existe de épico?

José Miguel Wisnik: As narrativas de Guimarães Rosa são permeadas de melodias. "A hora e vez de Augusto Matraga", por exemplo, é toda pontuada por estribilhos, refrães, versos cantados. "O recado do morro" é a viagem da formação de uma canção e seu efeito sobre o protagonista. E em "Grande Sertão: Veredas" é como se toda a experiência vivida e narrada por Riobaldo estivesse guardada na canção de Siruiz. As veredas de Rosa são muito musicais.

De que maneira, na tradição de um evento como o Clube de Leitura, no qual a palavra é protagonista, existe a possibilidade de um pensador como o senhor produzir uma "autogeografia" a partir do que leu? Ou seja: o quanto revisitar Guimarães é revistar o SEU território intelectual?

Gostei do uso da expressão "autogeografia". A obra de Guimarães Rosa é extremamente geográfica e cartográfica. Funcionário do corpo diplomático que cuidava do serviço de fronteiras, Rosa tinha acesso a um mundo de mapas. Além disso viajou pelo sertão a cavalo, anotando tudo. A escrita dele é "autogeográfica": transcreve o sertão de dentro e de fora, de perto e de longe, do alto. Já se estudou a escrita do "Grande Sertão" e do "Corpo de Baile" como uma cartografia literária onde o território real e o inventado se misturam. Nele, o sertão vira livro e o livro vira sertão. Você pergunta também sobre a leitura como viagem pessoal pelos próprios territórios que eu já percorri. Só posso dizer que, de fato, estudei Drummond e a mineração, no livro "Maquinação do mundo", e acho que a obra de Rosa oferece uma visão complementar, ecológica, do cerrado mineiro. Em Guimarães Rosa, há uma profunda integração do bioma com o idioma. Sua obra é uma espécie de canto do cisne do cerrado, ou uma dança do tucano sobre essa extraordinária biodiversidade, e nos faz pensar na atual devastação.

Para além da potência do falar que vemos em "Grande Sertão", existe um rastreio de Brasil, que uns chamam de etnográfico e outros, de poético. Qual é o Brasil que se perpetuou ali (e dali)? Que Gerais é aquela?

A pergunta é quase irrespondível aqui, de tão ampla. O sertão é o mundo - social, antropológica, poética e metafisicamente falando.

Quais são seus novos planos para a escrita este ano?

Vou publicar um livro de ensaios sobre música e literatura, que se chama justamente "Viagem do recado", nome rosiano que dá título também ao ensaio central do livro, sobre o recado de Rosa. Sairá em julho e farei, isso é muito importante dizer, um lançamento com aula-show na abertura do novo ciclo dirigido por Adauto Novaes, no dia 07 de agosto, na Fundação Casa de Rui Barbosa. Vou fazer o meu show "Vão", com banda e participação de Marina Wisnik e Celsim, no dia 31 de julho no BNDES no Rio.