Por: Affonso Nunes

Vozes pretas ecoam na Pequena África

A autora Conceição Evaristo participa de bate-papo com leitores na festa de 50 anos da Pallas Editora | Foto: Mônica Ramalho/Divulgação

A Pallas Editora está completando cinco décadas de existência, mas não se trata apenas uma efeméride editorial, e sim do reconhecimento público de uma trajetória comprometida com a valorização da cultura afro-brasileira e das religiões de matriz africana. Fundada por Antonio Fernandes e hoje dirigida por sua filha, Cristina Fernandes Warth, ao lado da neta Mariana Warth, a editora carioca se consolidou como referência em um campo que ainda enfrenta resistências estruturais no mercado editorial.

O aniversário será marcado por uma festa - um encontro de afetos, saberes e axés - neste sábado (31), das 16h às 22h, na Casa Porto, no Largo São Francisco da Prainha. O espaço fica na região conhecida como Pequena África, próxima ao Cais do Valongo, símbolo da diáspora africana nas Américas, e à Casa de Escrevivência, que abriga o acervo de Conceição Evaristo. Autora de títulos como "Ponciá Vicêncio" e "Becos da Memória", Conceição escolheu a Pallas como sua casa editorial e participará do evento ao lado da historiadora e escritora Ynaê Lopes dos Santos.

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Ynaê Lopes dos Santos participa de debate com Conceição Evaristo | Foto: Ricardo Borges/Divulgação

A programação começa às 16h com o lançamento do romance "Água de Maré", de Tatiana Nascimento, obra vencedora do Prêmio Pallas de Literatura 2024. Tatiana, que também é cantora, compositora, tradutora e editora, soma com este seu 18º livro publicado. Às 18h, divide mesa com Conceição e Ynaê, em um encontro literário mediado por Cristina Warth. Durante toda a tarde e noite, haverá venda de livros da editora e sessões de autógrafos com autores convidados.

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Tatiana Nascimento autografa seu novo livro durante o evento | Foto: Divulgação

No mês de junho, as comemorações se estendem ao cardápio da Casa Porto, com a estreia de uma livraria no sobrado. A cada dia da semana, um prato especial será servido em homenagem a um autor da casa. Às terças, o público poderá provar a Lasanha à moda Nei Lopes, recheada de costela, enquanto às quartas o destaque será o Camarão da Sonia Rosa, com arroz caldoso, quiabos e abobrinhas. A proposta combina celebração culinária e literária, em tributo à história da editora.

Entre os nomes que integram o catálogo da Pallas estão autores como Helena Theodoro, Cidinha da Silva, Reginaldo Prandi, Joel Rufino dos Santos, Eliana Alves Cruz, Raul Lody, Vera de Oxalá, Amílcar Pereira e Rogério Athayde. No plano internacional, a editora publica obras de Léonora Miano, Ondjaki e Teresa Cárdenas, entre outros. O catálogo reflete uma curadoria pautada pela diversidade de vozes e por um compromisso com a memória, a espiritualidade e a resistência.

Cristina Warth atribui a longevidade da editora à coerência das escolhas. "Desde o início, entendemos que estávamos lidando com a maior parcela de trabalhadores da população brasileira, pessoas que formaram esse país com sua cultura, seu pensamento, sua forma de ser e existir, e que foram vilipendiadas desde que aqui chegaram escravizadas", afirma. Aos 65 anos, ela lembra que tinha apenas 15 quando começou a acompanhar o trabalho do pai na Pallas. Em 2003, assumiu a direção da editora após a morte dele.

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Cristina Warth com a filha Mariana:'"Publicávamos esses temas antes mesmo de eles se tornarem obrigatórios por lei. Nosso compromisso é anterior à legislação: é ético, político e cultural' | Foto: Mônica Ramalho/Divulgação

Sua filha Mariana, que atua na casa há 25 anos, criou em 2013 o selo Pallas Míni, voltado para o público infantojuvenil. "O trabalho editorial é meio cachaça", brinca, ao comentar a decisão de seguir os passos da mãe e do avô. Cristina reconhece o privilégio de ter trabalhado com o pai e, agora, com a filha. "A Pallas é um ambiente feliz. Foi um luxo ter vivido isso com ele, e é um luxo continuar com a Mari."

Ao longo desses 50 anos, a editora contribuiu decisivamente para a difusão do pensamento afro-brasileiro, em especial nos campos da literatura, da história e da religiosidade. Cristina destaca que a linha editorial da casa já se alinhava com os princípios da Lei 10.639 — que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas — muito antes de sua promulgação. "Publicávamos esses temas antes mesmo de eles se tornarem obrigatórios por lei. Nosso compromisso é anterior à legislação: é ético, político e cultural."

A editora chega a um momento de sua trajetória com vitalidade renovada, impulsionada pelo reconhecimento de nomes como Conceição Evaristo, que acaba de ser eleita para a Academia Mineira de Letras e recebeu, em 2023, o Troféu Juca Pato pelo conjunto de sua obra. Um novo livro inédito da autora está previsto para o segundo semestre.

SERVIÇO

50 ANOS DA PALLAS EDITORA

Casa Porto (Largo de São Francisco da Prainha, 4, Saúde)

31/5, das 16h às 22h

Entrada franca