"E Se Eu Fosse Puta", livro de Amara Moira, faz parte dessa galeria de escritores underground-do- Underground como "O Diário de um Ladrão", de Jean Genet; "Cinema Orly", de Luis Capucho; e certos episódios e diálogos da Dramaturgia de Plinio Marcos - este, uma espécie de embaixador brasileiro da Literatura Beatnik, a despeito dos self-nomeados Mautner, Willer e Piva.
A começar por seu título censurado pela própria Editora com o artifício de uma faixa sugerindo outro título, Amara não está preocupada com a "qualidade literária " de sua escrita. Com seu bisturi impiedoso consigo própria vai perfurando, sem meias palavras, mais do que o cotidiano das travestis prostitutas, e penetra (literalmente) na descrição detalhada dos atos sexuais e de seus meandros que, segundo o saudoso e revolucionário psicanalista Eduardo Mascarenhas, é tão importante quanto o relato dos sonhos, onde se arquivam as imagens do Inconsciente, como aconselhou Freud.
Por outro lado, o testemunho dessa Doutora em Teoria literária e professora da Unicamp e travesti serve de importante observação antropológica sobre esses personagens humanos - e os mais discriminados, junto com as lésbicas, no campo LGBTQIAPN .
A maioria deles, como sabemos, expulsos de casa na adolescência e - sem encontrar espaço no mercado de trabalho pelo preconceito social - constituem um exército à serviço da prostituição - e que cumpre um papel de destaque na realização do desejo dos homossexuais que se encontram, ainda, no fundo do armário, nas sombrias trincheiras clandestinas dos biombos do disfarce do trinômio deus-pátria-família.
Seu revelador testemunho perspassa o sofrido processo de auto-aceitação do novo gênero, sonhada libertação de um corpo "onde não cabem", mas cujo espaço social também não cabe no espaço das orientações permitidas.
A importância de seu livro é a possibilidade que o leitor usufrui de conhecer um universo folclorizado, especialmente através do cinema, e tratado como um extravagante mundo - como quem excursiona num safari de zebras e elefantes. Com exceção dos filmes de Pedro Almodovar, que mergulha na alma desses seres à margem da margem.
E, o melhor do livro, é que não há vitimização, nem discurso de patrulhas do "politicamente correto".
Pulsa, latente, uma intensa alegria de viver no seu DNA.
Um livro imperdível!
*Cineasta e poeta