Por: Olga de Mello | Especial para o Correio da Manhã

As proibições não suavizaram os textos de Rubem Fonseca

Ex-comissário de polícia, Rubem Fonseca levou a crônica policial brasileira das páginas dos jornais para os livros | Foto: Divulgação

Mineiro de Juiz de Fora, radicado no Rio desde a infância, Rubem Fonseca foi festejado pela crítica no lançamento de sua primeira coletânea de contos, em 1963, "A coleira do Cão". Com ele, a crônica policial deixa os jornais e se instala como gênero de destaque da literatura brasileira, não apenas pela temática da violência urbana, mas também por mostrar aspectos inerentes à vida nas metrópoles, como a negligência do poder público, a marginalidade que cresce no abandono e a solidão de tantos. As tramas realistas se apoiam em diálogos fiéis à oralidade de sua época e pródigos em palavrões.

Já havia recebido o primeiro dos seis prêmios Jabuti concedidos por diferentes livros ("Lucia McCartney", em 1970; "A grande arte", em 1984; "O buraco na parede", em 1996; "Secreções, excreções e desatinos", em 2002;"Pequenas criaturas", em 2003; "Amálgama", em 2014), quando "Feliz ano novo" teve a circulação e publicação proibidas, em 1976. Dois anos depois, "O Cobrador", que vencera uma premiação literária, também era proibido.

As proibições não suavizaram os textos de Rubem Fonseca, que tratou da violência urbana com maior ou menor crueza em toda sua obra. Antes de abraçar a literatura profissionalmente, teve diferentes atividades, entre elas a de comissário de polícia no Rio de Janeiro, o que pode explicar a familiaridade com os temas escolhidos. Narradores solitários cruzam a cidade relatando ou confessando crimes, sem qualquer arrependimento. O que leva alguém a se entregar à barbárie não tem julgamento em sua narrativa seca, que também se abre, principalmente nos romances, a personagens vívidos e carismáticos. O principal deles é o detetive mulherengo Mandrake, protagonista de uma trilogia.

As obras de Rubem Fonseca geralmente retratam, em estilo seco e direto, a luxúria e a violência urbana, em um mundo onde marginais, assassinos, prostitutas, miseráveis e delegados se misturam. A história através da ficção é também uma marca de Rubem Fonseca, como nos romances Agosto (seu livro mais famoso) em que retratou as conspirações que resultaram no suicídio de Getúlio Vargas, e em O Selvagem da Ópera em que retrata a vida de Carlos Gomes, ou ainda A Cavalaria Vermelha, livro de Isaac Babel retratado em Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos.

Criou, para protagonizar alguns de seus contos e romances, um personagem antológico: o advogado Mandrake, mulherengo, cínico e imoral, além de profundo conhecedor do submundo carioca. Rubem Fonseca inaugurou algo novo na literatura brasileira contemporânea, que foi chamada, como brutalista, em 1975 através de Alfredo Bosi. Em seus contos e romances utiliza-se uma maneira de contar, na qual destacam-se personagens que são narradores. Várias das suas histórias (principalmente romances) são apresentadas na estrutura de narrativa policial com fortes elementos de oralidade.

O fato de ter atuado como advogado, aprendido medicina legal, comissário de polícia, ter vivido no subúrbio do Rio teria contribuído para o escritor criar histórias do mundo parecido com o real dentro dessa linguagem direta. Provavelmente, devido a isso, vários de seus personagens de suas obra são (ou foram) delegados, inspetores, detetives particulares, advogados criminalistas, ou, ainda, escritores.

A Rubem Fonseca interessa registrar o cotidiano terrível das grandes cidades e, simultaneamente, mostrar os dramas humanos desencadeados pelas ações transgressoras da ordem. O que mais chama atenção na obra de Rubem Fonseca é a mentalidade dos bandidos. Em nenhum momento eles se sentem remorso ou culpa. São perversos e frios, venham dos estratos superiores ou das camadas populares.

 

A arte de contar a história do Rio de Janeiro

Por Lucas Padilha*

O Rio de Janeiro sempre foi mais do que um ambiente na obra de Rubem Fonseca. Mineiro, chegou ao Rio com a família, criança, e fez da cidade elemento essencial para a compreensão de seus contos, novelas e romances.

Em 1991, seu profundo conhecimento da história da cidade aparece na novela "A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro", na qual o protagonista, Augusto, percorre o Centro dia e noite. Ao observar o cotidiano de prostitutas, ladrões, mendigos, meninos de rua e outros marginais no bairro, ele recorda a história do que já foi o coração de uma capital da Colônia, Reino, Império e República, tendo suas escadarias, hotéis, becos, monumentos e igrejas como marcos esquecidos de um passado de esplendor.

Esse poema em prosa nostálgica da memória da cidade se encerra em um domingo, no cais da Praça Quinze, onde as águas do mar batem, "causando um som que parece um suspiro, um gemido. (...) Como todo domingo, será um dia ruim para os miseráveis que vivem dos restos de comida jogados fora", pois os restaurantes do Centro não abriam aos fins de semana, na época da publicação da novela. Hoje, na região onde escritor conclui "A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro", restaurantes, bares e centros culturais abertos celebram a revitalização do Centro e também o centenário de um de seus maiores admiradores, um carioca de criação.

*Secretário Municipal de Cultura