Se ainda estivesse em atividade no último domingo, quando completaria 100 anos de nascido, Rubem Fonseca dificilmente participaria de festejos públicos pelo aniversário, embora na vida particular gostasse de uma boa conversa - o que se recusava a travar com jornalistas. "Para ele, importantes eram os livros, não o autor", diz Janaína Senna, que editou, pela Nova Fronteira, a obra de Rubem Fonseca entre 2011 e 2018.
Para celebrar o centenário, a editora está lançando um box reunindo todos os seus livros de contos - e mais duas histórias inéditas, encontradas pela família do autor. Novas edições do romance "A grande arte" e de "Feliz Ano Novo" também já estão nas livrarias. Simpático, afável e aberto a sugestões para seus textos, o escritor que revolucionou a literatura brasileira, enfatizando a violência e a solidão das grandes metrópoles em contos e romances, era totalmente avesso à exposição pessoal. Suas raras declarações sobre literatura aconteciam nas solenidades de entrega de prêmios, como os internacionais Juan Rulfo e Camões. Evitava entrevistas e jamais se submeteria à verdadeira maratona de entrevistas e palestras que os escritores hoje cumprem quando lançam livros, acredita Janaína Senna, que conversou com o Correio da Manhã sobre sua convivência com Rubem Fonseca.
Como foi para você, então uma jovem editora, tratar da edição dos livros com Rubem Fonseca?
Janaína Senna - Nada difícil, ele era divertido e muito informal. Nunca o tratei de "senhor". Marcava nossos encontros para falar de livros na loja de conveniência de um posto de gasolina, no Leblon, onde ele ia sempre tomar café e picolé, que adorava. Contava um monte de histórias, falava de literatura, do que gostava de ler, como poesia.
Mesmo assim, ele permaneceu arredio à imprensa a vida inteira, não?
Quando saía um livro novo, os jornalistas tentavam falar com ele, mas não adiantava, ele não dava entrevista. Dizia que os livros estavam prontos. Esporadicamente, respondia algumas perguntas por escrito. Hoje, mesmo que tivesse tempo e vigor, ele não cumpriria a agenda de eventos que os escritores atendem atualmente. É difícil para homens daquela época se acostumarem com tanta exposição. A exceção era o Ariano Suassuna, que tinha prazer em fazer palestras, em dar aulas.
O contrato com a editora determinava o período de entrega de originais?
Não, era ele que me mandava e-mails, geralmente a cada dois anos, dizendo "Tenho aqui alguns contos; acho que já dá para fazer um livro". Aí, eu lia e começávamos o trabalho. Como editora, meu papel era dar palpite, pedir que desenvolvesse um pouco mais um trecho, trocar a ordem dos contos. Ele entendia que o editor não estava se intrometendo na autoria, aceitava tranquilamente as sugestões de alteração, que geralmente eram para modificar títulos. Isso porque já havia algum com título parecido, e ele se esquecia, de tanto que escrevia.
Quem seria o Rubem Fonseca na literatura brasileira de hoje?
Como disseram no seminário internacional sobre o Centenário de Rubem Fonseca, na PUC-RJ, ele não deixou prole. Muitos autores de hoje se dizem influenciados em alguma medida por sua literatura, que foi tão inovadora, mas um grande autor como Rubem Fonseca é sempre único. Ele revolucionou o conto, trouxe uma novidade para o gênero que não existia no Brasil, com a linguagem crua, a temática urbana e o uso de muitos palavrões. Talvez o mais influenciado pela literatura de Rubem Fonseca seja o Luiz Alfredo Garcia-Roza, com suas tramas localizadas em Copacabana, mas temos hoje o Raphael Montes abordando a violência urbana, o Toni Belloto, a Patrícia Melo.
Quais livros de Rubem Fonseca são long-sellers, com boa vendagem até hoje e quais você considera essenciais para conhecer sua obra?
As melhores vendagens ficam divididas entre "Feliz Ano Novo" e "Agosto", que foram best-sellers décadas atrás e, vira e mexe, são adotados como leitura obrigatória de algum vestibular. Esses dois são importantíssimos para quem nunca leu Rubem Fonseca, ao lado de "A grande arte", "O cobrador" e "Lúcia McCartney".