Até agora, quem quisesse uma edição dos contos completos de Rubem Fonseca só conseguiria fazê-lo em espanhol: desde 2018, a editora Planeta da Argentina publica em três volumes toda a ficção breve do escritor, pelo selo Tusquets.
Os volumes em espanhol, diga-se, já não eram tão completos assim. A compilação terminava em "Amálgama", de 2013, e Rubem Fonseca ainda publicou mais três livros depois disso: "Histórias Curtas" (2015), e "Calibre 22" (2017) e "Carne Crua" (2018).
Agora, como parte das celebrações do centenário do autor, no próximo dia 11, o público brasileiro vai ter acesso a todos os contos dele. A Nova Fronteira, casa do escritor, vai lançar em maio uma edição com os contos completos - acrescidos de dois inéditos, escritos na juventude, antes de sua estreia literária, com "Os Prisioneiros" (1963).
"Natal" e "Arinda", escritos em 1943, foram descobertos pela filha de Rubem Fonseca, Bia Corrêa do Lago, no acervo que encontrou na casa do pai, depois de sua morte em 2020. "Achei muitos contos da juventude. Esses dois são de quando ele tinha 20 e poucos anos, mas tem muitos com 17, 18 ou 19 anos", afirma Bia.
Antes disso, a última reunião tão ampla da ficção breve de Rubem Fonseca tinha sido nos anos 1990, quando a Companhia das Letras, sua então editora, tinha lançado "Contos Reunidos", com um posfácio de Boris Schnaiderman. Mas o autor ainda publicaria 11 livros depois. Para a compilação de agora, a família de Rubem transmitiu à editora as correções feitas pelo próprio escritor em seus exemplares, ajustes que ele morreu sem ter repassado.
Além dos dois inéditos, o acervo deixado pelo escritor ainda deve render mais. Bia trabalha em uma fotobiografia do pai, prevista para novembro, a partir de imagens encontradas no arquivo. O livro vai ser publicado pela editora Capivara. É um trabalho que vai não só engrossar a parca iconografia de um autor que escapava da imprensa, mas também revelar aspectos de sua vida que até a filha conhecia pouco. As fotos mostram o autor em situações como uma visita a Carmen Miranda em Los Angeles, em 1954, ou entregando um envelope a Pelé - num ano em que ele teve a ideia de presentear os jogadores da seleção brasileira com ações da Light, onde era executivo.
Além dos dois lançamentos, a obra de Rubem Fonseca vai ser tema de um seminário internacional na PUC-Rio, organizado pelo professor e crítico Karl Erik Schollhammer. O evento acontece entre 6 e 8 de maio e vai reunir pesquisadores do Brasil e do exterior. "Queria que o evento fosse um incentivo a uma releitura da obra de Rubem, acho que a visão e a interpretação da obra dele anda muito estanque", diz Schollhammer.
O crítico acha que o autor acabou perdendo espaço nos estudos literários atuais na universidade e que há espaço para discutir o legado dele. "Não há dúvidas de que ele de certa maneira inicia o fenômeno da literatura contemporânea brasileira, que combina o experimental com o lado realista de uma literatura urbana", afirma. "Rubem Fonseca para mim está ligado a uma questão existencial, que é a violência que brota nas relações. Acho que há uma leitura meio cega [para esse ponto] e essa questão merecia ser reinterpretada."