O Prêmio Nobel de Literatura concedido em 2010 ao peruano Mario Vargas Llosa foi recebido com reticências pela intelectualidade de esquerda mundial. Socialista na juventude, Llosa atacara publicamente o regime cubano e se apresentara como candidato da direita em eleições presidenciais peruanas de 1990 - perdendo para o "esquerdista, pero no mucho" Alberto Fujimori, que no meio de seu mandato, fechou o Congresso no chamado "autogolpe". O escritor, nessa época, vivia na Europa, voltando a dedicar-se exclusivamente à literatura, onde se mostrava um grande narrador e defensor da democracia, apontando incongruências em qualquer governo, principalmente nas ditaduras latino-americanas.
Como artista, Mario Vargas Llosa era de rara excelência. Ficcionista que dominava a narrativa como poucos, tinha a técnica dos grandes criadores de folhetins, prendendo o leitor de sua ficção em sucessivos capítulos que, geralmente, mesclavam a história política da América Latina com os arroubos sensuais de personagens eternamente dispostos a se apaixonar por mulheres irresistíveis. Seu legado literário não se restringe à ficção, mas a pesquisas sobre a arte e os fenômenos de comunicação que conheceu. Jovem, cursou Direito, mas exerceu o jornalismo e abraçou a literatura, que lhe rendeu reconhecimento com premiações diversas e uma vida confortável, além do prestígio como palestrante e professor em universidades internacionais. Em quase nove décadas de vida, deixa uma obra contundente, com a aposentadoria anunciada no posfácio de seu último romance, "Deixo a Você Meu Silêncio", em que faz o elogio da música criolla peruana, como valsas, mariñeras, polcas e huyanitos, por quebrarem barreiras raciais e sociais no encontro de migrantes nos bairros pobres de Lima.
Contraditório e polêmico, Mario Vargas Llosa criou uma literatura de rara consistência, essencial para quem quiser entender a América criolla. Entre os muitos bons títulos, estão:
• Os chefes – Seu livro de estreia, lançado em 1959, traz seis contos sobre os desafios enfrentados – e propostos – por jovens moradores de Lima. “Domingo” é uma precoce obra-prima.
• Conversa no Catedral – No bar Catedral, as conversas de um jornalista de família burguesa com o ex-motorista de seu pai traçam o panorama histórico do Peru.
• Pantaleão e as visitadoras – A sátira ao militarismo está na burocracia de um comandante que organiza a rotina dos encontros de prostitutas com um pelotão do Exército em missão na Amazônia.
• A festa do Bode – A ascensão e queda da ditadura de 31 anos de Rafael Trujillo na República Domicana são mostradas através do círculo próximo do ditador, dos oprimidos por seu regime e pelos rebeldes que vão derrubá-lo.
• Cinco Esquinas – Um bairro pobre de Lima dá nome a esse curto romance que sai do envolvimento sexual de amigas para denunciar a alienação dos novos ricos limenhos durante a ditadura Fujimori.