Por: Affonso Nunes

Uma voz de pura resistência

O mosaico, que celebra Getúlo Marinho e seu pioneirismo ao gravar cânticos afrobrasileiros, será instalado em definitivo na Pequena África | Foto: Divulgação

Mural homenageia Getúlio Marinho, que desafiou a repressão ao gravar os primeiros cânticos rituais em 1930

O Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica apresenta a exposição "Mosaico Getúlio Marinho, o Amor", que apresenta pela primeira vez ao público o painel de ladrilhos criado pelos artistas John Souza e Natalia Reyes Najle, do Ateliê Cosmonauta Mosaicos. A obra homenageia Getúlio Marinho da Silva (1889-1964), conhecido como "Amor", figura fundamental na história da música brasileira que ousou gravar cânticos de religiões de matriz africana em plena era de perseguição sistemática a essas manifestações culturais.

Em 1930, Getúlio Marinho entrou para a história ao lado de Mano Eloy, acompanhados pelo Conjuncto Africano, ao registrar pela gravadora Odeon os primeiros fonogramas de cânticos rituais afro-brasileiros. O disco "Macumba (Ponto de Ogum / Ponto de Inhassan)" representou um ato de insurgência num período em que terreiros eram invadidos, atabaques apreendidos e praticantes criminalizados. Baiano radicado no Rio, músico e mestre-sala, Amor fez do disco em território de liberdade e afirmação identitária, confrontando o projeto de apagamento das culturas negras no Brasil.

O painel será exibido no espaço cultural antes de sua instalação permanente na Pequena África, região que compreende os bairros da Gamboa, Saúde e Santo Cristo. Batizada pelo sambista Heitor dos Prazeres, essa área foi o coração da diáspora africana no Rio, onde funcionou o Cais do Valongo e a Pedra do Sal se tornou um quilombo urbano, o berço do samba carioca.

A exposição propõe reflexão sobre os silenciamentos históricos ao apresentar o patrimônio construído por Getúlio Marinho ao lado de matérias jornalísticas preconceituosas publicadas durante as batidas policiais realizadas no mesmo período em que o compositor revolucionava a indústria fonográfica. "Esta exposição é um gesto de reparação simbólica e um compromisso com o futuro", afirma o curador Marco Antonio Teobaldo. "Ao instalar o painel na região onde existiam terreiros invadidos pela polícia, reafirmamos que a memória é campo de disputa e que o espaço público deve refletir a diversidade e a complexidade de nossa formação cultural", defende.

SERVIÇO

MOSAICO GETÚLIO MARINHO, O AMOR

Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica (Rua Luís de Camões, Praça Tiradentes),

Até 15/11, das 10h às 18h