Por: Affonso Nunes

Pandeiro, a batida com a cara do Brasil

Pedro de Alcantara (ao centro) e os Oito Batutas em imagem da primeira reportagem no Brasil que cita o pandeiro. A matéria foi publicada no Correio da Manhã em 1927 | Foto: Acervo Correio da Manhã

"Brasil, esquentai vossos pandeiros". Imortalizado em versos como esse, da canção icônica de Assis Valente, consagrada pelos Novos Baianos, o pandeiro é um dos instrumentos mais emblemáticos da música brasileira. Mas poucos conhecem sua história, que atravessa os séculos e chega ao Brasil trazida pelos colonizadores. Contar as inúmeras etapas dessa jornada é a proposta de "Pandeiros do Brasil: História, tradição, inovação" em cartaz na Casa do Pandeiro, no Centro.

Com curadoria da pandeirista e professora Clarice Magalhães e do pesquisador Eduardo Vidili, a exposição se desenvolve em dois eixos principais: histórico-sociológico e artístico. O público pode explorar uma série de imagens, quatro obras de arte inéditas, incluindo uma escultura e uma instalação, um vídeo interativo e diversas variações do instrumento, que estão disponíveis para experimentação, promovendo uma experiência interativa e sensorial. Há também uma pequena biblioteca com títulos de referência sobre o tema.

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Clarice Magalhães: visibilidade ao pandeiro | Foto: Thiago Anastácio/Divulgação

"A Casa do Pandeiro materializa um senso de comunidade entre pandeiristas, tanto profissionais como amadores e aprendizes. É comum ouvir percussionistas expressarem gratidão pelo pandeiro. É um instrumento muito generoso! Agora ganha uma casa, uma exposição e uma biblioteca dedicadas a ele. Queremos dar mais visibilidade a quem toca, ensina e constrói o instrumento", celebra Clarice Magalhães, idealizadora e gestora do espaço, que também oferece aulas, oficinas, debates e rodas musicais.

Com quatro CDs gravados, a artista é profissional do pandeiro desde a década de 1990, e já tocou em centenas de bailes, festivais de música e shows dentro e fora do Brasil. Prima de Cazuza e sobrinha-neta de Nelson Rodrigues, em 2019, Clarice lançou em livro um método de pandeiro chamado "Técnica e levadas para pandeiro brasileiro" (Editora Multifoco) e um canal no YouTube.

 

Instrumento que vem da antiguidade

A pintura rupestre Dança do Leopardo, datada de 5800 a.C., encontrada em uma caverna da Turquia, é o primeiro registro de um pandeiro | Foto: Reprodução

O eixo histórico-sociológico da exposição percorre a trajetória do pandeiro desde suas origens ancestrais. O primeiro registro iconográfico do instrumento no mundo remete a uma pintura rupestre na Turquia, datada de mais de 5 mil anos. O pandeiro teria sido levado à Europa pelos mouros e, posteriormente, trazido ao Brasil pelos colonizadores portugueses. No Brasil, foi rapidamente adotado pelos escravizados e tornou-se parte fundamental das manifestações culturais afro-brasileiras. O primeiro registro imagético do instrumento no Brasil é um desenho de 1640 do holandês Johan Nieuhof, que também integra a exposição. A imagem mostra uma mulher escravizada com um pandeiro na mão.

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A gravura 'Negro Tocando Cabaça e Pandeiro', do artista holandês Johan_Nieuhof, é datada de 1640, sendo o primeiro registro da presença do intrumento no Brasil | Foto: Reprodução

A mostra também aborda a relação entre o pandeiro e o feminino. Símbolo de fertilidade, na Europa ele era predominantemente tocado por mulheres, mas essa tradição se perdeu com o tempo. A exposição resgata a importância das mulheres no universo do pandeiro e reflete sobre sua presença na percussão brasileira contemporânea, majoritariamente masculina.

Uma escultura encomendada ao artista Lucas Finonho entrelaça os temas capoeira, pandeiro, perseguição e portabilidade. Durante o período colonial e a República Velha, práticas culturais negras foram perseguidas, e o pandeiro passou a ser associado à vadiagem: quem os tocava em rodas de samba ou capoeira era alvo frequente da polícia. No entanto, essa marginalização contribuiu para que ele se tornasse parte essencial da capoeira, valorizado por sua portabilidade e sua capacidade de acompanhar os movimentos da luta. Nos anos 1930 e 1940, o samba, antes perseguido, tornou-se símbolo nacional. É nesse período que o pandeiro passa a ser reconhecido por seu sofisticado alcance rítmico e harmônico.

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O desenho 'Samba de Planície', de Marcelo Quintanilha, representa a presença do pandeiro nas rodas de samba realizadas nas comunidades | Foto: Divulgação

No eixo artístico, a mostra homenageia figuras fundamentais na consolidação desse símbolo da música brasileira. São apresentadas imagens como uma foto e um desenho em quadrinhos de João da Baiana. Também são lembradas figuras centrais como Jackson do Pandeiro, Jorginho do Pandeiro, Bira Presidente e Larissa Umaytá.

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Instalação assinada por Bete Esteves e Luciana Maia homenageia Marcos Suzano, um dos grandes inovadores do pandeiro no Brasil | Foto: Divulgação

Uma instalação de Bete Esteves e Luciana Maia homenageia Marcos Suzano, um dos inovadores do instrumento. Um mapa interativo apresenta as diversas manifestações culturais que utilizam o pandeiro pelo Brasil, além de uma biblioteca especializada, batizada em homenagem a Alfredo de Alcântara, do célebre grupo Oito Batutas. Inclusive, é dele o primeiro registro do pandeiro na imprensa brasileira, numa matéria sobre a banda publicada pelo Correio da Manhã, em 1927.

SERVIÇO

PANDEIROS DO BRASIL

Casa do Pandeiro (Travessa do Ouvidor, 36 - Centro) | De segunda a sábado (10h às 17h), exceto quartas (10h às 20h)