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A floresta que sucumbiu ao asfalto

Giovanna Aguirre é em 'Nixi Pae' um corpo-floresta que toma várias formas e mostra sua força pulsante | Foto: Dalton Valério/Divulgação

Quando Giovanna Aguirre recebeu a palavra "Nixi Pae" em uma experiência pessoal de retomada de identidade indígena, não imaginava que aquele sopro ancestral se transformaria em espetáculo. O termo, que para o povo Huni Kuin do Acre e do Peru nomeia a bebida medicinal sagrada conhecida como Ayahuasca e significa "espírito da floresta" ou "cipó forte", tornou-se a chave para este ato político de resistência e reconexão com a ancestralidade que habita cada corpo e território. Com direção de Ruth Tapuya, "Nixi Pae: Encantos da Natureza", será apresentado no Centro Coreográfico da Tijuca neste sábado e domingo (13 e 14).

A proposta mergulha na cosmopercepção indígena que faz do palco um portal no qual a bailarina atua como corpo-floresta, manifestando forças da natureza ao incorporar a jiboia, a onça, os guarás e a energia dos rios e encantados. A fusão de dança, música ao vivo e videoprojeções cria uma ambiência que evoca a encantaria, o fio invisível que integra céus, terra, águas, fogo e todos os seres vivos.

"Essa ponte cosmológica que é o eixo central do Nixi Pae revela que a floresta está reivindicando sua retomada, esse trabalho é uma ponte que ecoa as vozes e presenças da floresta. Esse sopro me impacta à medida que eu compreendo que eu não deixei de ser floresta, mesmo vivendo na cidade, eu sou filha da floresta, o Nixi Pae chegou pra mim como um sopro dos meus ancestrais, para que meu corpo pudesse ser passagem e sopro, da força e beleza da floresta que também resiste à cidade", diz a criadora e intérprete.

O espetáculo questiona frontalmente o apagamento da história ao retomar a memória do povo Tupinambá, os verdadeiros donos do território que hoje chamamos de Rio de Janeiro antes da colonização. Esse recado político ganha força visual através das videoprojeções no corpo da bailarina, que exibem rostos de lideranças indígenas históricas e assassinadas, além de resgatar imagens de rios soterrados da cidade. A dramaturgia visual convoca a presença de cursos d'água que percorrem o país, como o Rio Amazonas e o Rio Juruna, mas também denuncia a violência contra rios cariocas como Quitungo, Carioca e Maracanã, transformados em valões e esgotos a céu aberto. "Para preservar precisamos conhecer e nos sentirmos pertencentes ao território que habitamos, compreender que somos parte de um bioma", explica Giovanna, que também projeta imagens de animais que habitavam a cidade do Rio de Janeiro e as regiões da Mata Atlântica, reacendendo a memória de um Rio de Janeiro Tupinambá.

A montagem resgata o som da floresta através de músicos que criam ao vivo uma paisagem sonora que alimenta a dança e as projeções. "É, ainda, um chamado para voltarmos a sermos natureza, pisar mais suave na terra, respeitar as outras espécies e manifestações da vida, e voltar a sermos a dimensão da totalidade, e não somente a dimensão do humano que devora tudo ao seu entorno", afirma Giovanna.

A artista ressalta a importância de conectar povos indígenas, encantarias e sabedorias ao público urbano como forma de expandir a consciência sobre a existência de mais de trezentos povos indígenas que, mesmo diante do massacre e da colonização, ainda resistem no território chamado Brasil ou Pindorama. "Existem também muitas pessoas indígenas em contexto urbano, algumas não sabem ao qual povo pertencem, devido ao genocídio, as violências, mas seu espírito ancestral permanecem vivo. As artes são uma ferramenta poderosa de reconhecimento, conscientização e valorização das manifestações culturais, em suas diferentes vertentes", destaca.

Para a criadora, "Nixi Pae" é um lembrete de que, mesmo nas cidades, o espírito ancestral não foi morto, sustentando a força do grande espírito e a natureza viva onde quer que estejamos.

SERVIÇO

NIXI PAE: ENCANTOS DA NATUREZA

Centro Coreográfico da Tijuca (Rua José Higino, 115)

13 e 14/12, sábado (19h) e domingo (18h)

Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia)