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Campeão desde 1910... e premiado no cinema

Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Reverenciado direta ou indiretamente em cults como "Garrincha, Alegria do Povo" (1962) e "Heleno" (2012), a nação alvinegra assegurou mais uma vitória internacional para o cinema brasileiro, na saideira deste 2025 de muitas consagrações internacionais do nosso audiovisual, com "Botafogo e Seus Heróis Improváveis". No último dia 7, a produção pilotada por Chico Vereza e Raphael Dias conquistou - com loas - o prêmio de Melhor Filme de Futebol na 45ª edição do Paladino D'Oro, o mais antigo festival esportivo do mundo, realizado em Palermo, na Itália. O documentário conta a jornada do Botafogo, sob o comando do técnico Carlos Alberto Torres, até a vitória final contra o Peñarol, no Maracanã, em 1993.

Foi um empate de 2x2 (com gols de Perdomo e Otero do lado de lá e de Eliel e Sinval do lado de cá) que levou a disputa para os pênaltis, onde o Fogão venceu por 3 x 1, com chutes certeiros de Suélio, Perivaldo e André. A revisão desse saldo e de um time em estado de graça comoveu plateias italianas. Com a premiação europeia, ampliou-se o interesse pela narrativa de Dias e Vereza, que pode ser conferida no Globoplay. Seus realizadores peitaram - e venceram - o desafio de transportar o esplendor futebolístico para a dramaturgia.

"Todos querem ver gols, querem ver campo, bola rolando. Isso exige um trabalho extenso, seja de pesquisa, seja para recriar a ideia desses momentos", explica Raphael Dias. "No nosso caso, muitas imagens não existem ou são muito raras. Conseguimos contar com uma parceria fenomenal para ter acesso a esses arquivos e tivemos também uma equipe de arte e de movimento, nas mãos do Ighor Jesus e do Lucas Serafim, que foram excepcionais para recriar com sensibilidade o que precisava ser feito".

Dias e Vereza centraram o filme no título sul-americano de 1993. Ou seja, todo mundo já sabia o final... dos mais catárticos, testemunhado por um público estimado em 45 mil pessoas. Só que contaram com nuances dramáticas, como os relatos da falta de estrutura e dinheiro do time, a edição alongada da disputa de pênaltis, para que o espectador ficasse indagando e se perguntasse: "será que eles vão conseguir?".

"A torcida do Botafogo tem um quê de quixotesca e utópica, sempre perseguindo os seus moinhos de vento", explica Vereza. "Acho que esse idealismo do alvinegro se encaixa com o idealismo de artistas como João Moreira Salles, Adnet, João Cavalcanti e pensadores como o historiador Luiz Antônio Simas. Como ele próprio fala no filme: 'o Botafogo é metafísico'. No filme, narramos a história de sucesso do chamado underdog, o azarão. É o que se vê em muitos filmes já feitos, de comédias como 'Papai Bate um Bolão' até dramas como o próprio 'Rocky, Um Lutador'. Em homenagem ao prêmio recebido na Itália, diria que essa equipe do Botafogo era como o Exército de Brancaleone", diz o roteirista e diretor, citando o clássico de Mario Monicelli (1915-2010), de 1966.

Na construção dramática, "Botafogo e Seus Heróis Improváveis" passa em revista um amor quase mítico de uma torcida por sua equipe.

"O Botafogo habita um imaginário do futebol tal qual a mitologia greco-romana habita a história das sociedades, da filosofia. Quando se fala em Botafogo pensamos naquele panteão de craques, a seleção de 1962. A era da disputa do Botafogo de Garrincha e do Santos de Pelé. Talvez todo o hiato que veio depois disso seja uma prova de fogo... com direito a trocadilho... para que ficassem só os fiéis, os realmente apaixonados, os escolhidos, como se diz entre os torcedores", explica Dias, brincando que, em seu documentário, Carlos Alberto aparece como o grande mago que chega para dar esperanças a jovens sem crença. "É tal como Gandalf aos hobbits em 'Senhor dos Anéis'".

Agora, após a consagração em gramados cinematográficos italianos, ele e Vereza buscam captação de recursos (e parceiros) para um documentário mais ambicioso, olhando para a arbitragem sob essa ótica da marginalização da profissão e seu potencial educacional.

"Estamos iniciando um trabalho de pesquisa para recontar as histórias de 1968 e 69, quando General Severiano serviu de refúgio para manifestantes contra a ditadura, naquele período em que o esporte servia como ferramenta de conscientização social", conta Dias.

Vereza destaca a mirada de seu parceiro sobre a periferia do futebol.

"Estamos trabalhando num documentário mais no estilo fly on the wall ("a mosca na parede", um jargão para observação), sobre juízes de futebol", diz Vereza, antecipando detalhes do projeto batizado de "Livre arbítrio". "Nele, o nosso personagem principal dá aulas de arbitragem para pessoas privadas de liberdade nas casas de detenção".