Comemorando quatro décadas de profissão aos 55 anos, o ator desponta para estatuetas de Hollywood com seu desempenho em 'Blue Moon', de Richard Linklater
É sorte o baiano Wagner Moura estar concorrendo ao Globo de Ouro de 2026 num hemisfério narrativo diferente daquele em que o texano Ethan Hawke está em disputa. Se não... a chance de o astro de "O Agente Secreto" ganhar o prêmio de Melhor Ator estaria reduzida, apesar de todo o brilho de sua atuação no longa-metragem pernambucano, que acaba de bater a marca de um milhão de pagantes. O ano que vai nascer em primeiro de janeiro anuncia uma virada para Hawke. Revelado ainda moleque em "Viagem ao Mundo dos Sonhos", quatro décadas atrás, ele periga ganhar muitas das estatuetas douradas do cinemão que antecedem o Oscar - troféu ao qual já anda sendo associado.
Lá, no certame da Academia Hollywoodiana, gêneros dramatúrgicos distintos concorrem em pé de igualdade. Já a Golden Globe Foudation divide suas láureas principais - de cinema e de teledramaturgia - entre Drama (onde está Moura e o atual sucesso de bilheteria do audiovisual brasileiro) e Comédia/Musical. É nesse campo que Ethan está, diante de "Blue Moon", rodado por seu antigo e mais recorrente parceiro, Richard Linklater. Lá se vão três décadas desde que filmaram "Antes do Amanhecer" (1995), firmando uma sinergia que rendeu joias como "Boyhood" (2014).
"O que mais me surpreende quando revisto os filmes que fizemos juntos é o fato de seguirmos interessados nas mesmas questões. Somos os mesmos, embora mais envelhecidos", diz Ethan ao Correio da Manhã, em zoom organizado pela Golden Globe Foundation, que incluiu o artista entre os competidores da premiação agendada para 11 de janeiro no Beverly Hilton, nos EUA.
Logo depois dela, ele será visto no Festival de Sundance à frente do longa "The Weight", que é cotado para a próxima Berlinale, a ser realizada em fevereiro. Foi lá, no Festival de Berlim deste ano que "Blue Moon" estreou, brigando pelo Urso de Ouro, e cativou corações. Nele, Linklater e Ethan revisitam a saga do letrista Lorenz Hart (1895-1943), que enfrenta corajosamente o futuro à medida que sua vida (profissional e privada) desanda em goladas contínuas em destilados de alto teor alcoólico.
Tudo se passa no bar Sardi's, durante a festa de abertura do novo espetáculo (o fenômeno "Oklahoma!") de seu ex-parceiro Richard Rodgers (1902-1979), interpretado por Andrew Scott (de "Ripley"), que foi premiado no evento alemão, com o Urso de Prata de Melhor Atuação Coadjuvante, por seu desempenho nessa caudalosa produção. Na noite de 31 de março de 1943, narrada no roteiro, Lorenz (Hawke, notável) vai escancarar todos os seus demônios.
"O álcool, no caso de Lorenz, é apenas o sintoma de um problema profundo ligado ao senso de não pertencimento e a bebida só faz ampliar a sua solidão", explicou Ethan, que tem como rival Timothée Chalamet em "Marty Supreme", que foi badalado no Brasil, na última Comic-Con, no início deste mês.
Com um vasto rol de parcerias com cineastas de peso em seu histórico de quatro décadas, com direito a cults como "Gattaca" (1997) em sua trajetória, Ethan despontou para os holofotes ao lado de Robin Williams (1951-2014) em "Sociedade dos Poetas Mortos" (1989), no papel de um dos alunos que aprendiam o simbolismo da expressão carpe diem ("aproveite o dia"). Ao ser homenageado pelo conjunto de seus trabalhos no Festival de San Sebastián de 2016, ele relembrou a experiência desse clássico sobre poesia dirigido por Peter Weir: "Fizeram uma série de viagens promocionais daquele filme pelo mundo e, como Robin não podia estar em todas, mandaram que eu fosse a uma delas, no Japão. Lembro de estar lá, diante da imprensa, sem nada para dizer, pois era só um garoto inexperiente. Ali entendi que era preciso somar vivências para ter saber", contou o ator, num depoimento ao evento espanhol.
"O teatro foi um lugar de aprendizado importante, onde fiz descobertas essenciais, e ele, de forma central, aparece em 'Blue Moon', pois a vida de Lorenz expõe um tempo em que a Broadway era o epicentro em ebulição da cultura americana, ditando caminhos", diz Ethan, que emplacou um blockbuster, este semestre, na seara do terror: "O Telefone Preto 2".
A sequência do thriller sobrenatural de 2021 faturou US$ 131 milhões. Coube a Ethan encarnar o infanticida que assombra os subúrbios americanos, na Carolina do Norte, criando um dos vilões mais temíveis — ainda que mais humanizados — do momento: Grabber, o Agarrador.
Na trama de "Black Phone 2" - pontualmente aberta ao chiaroscuro nos enquadramentos do diretor de fotografia Pär M. Ekberg - estamos em 1982, quatro anos após os eventos do primeiro filme. Vítima do longa anterior, Finney Blake (Mason Thames) tenta lidar com o trauma do seu rapto e assassinato pelo Agarrador. Entretanto, sua irmã Gwen (Madeleine McGraw), paranormal, começa a ter visões aterrorizantes de crianças mutiladas e pesadelos com um telefone a tocar, o que os aproxima. A partir desta premissa, o realizador Scott Derrickson fala de aliança (fraterna) sem medo de apelar para o dispositivo do jump scare (o susto rasgado). Seu êxito é uma prova da versatilidade de Ethan.