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Selton Mello: 'É hora de expandir fronteiras'

Selton Mello num dos cartazes de divulgação desta versão nada sisuda de 'Anaconda' em que o brasileiro atua com Jack Black e Paul Rudd | Foto: Divulgação

Ator e diretor estreia em Hollywood no Natal, com nova (e debochada) versão de 'Anaconda' e prepara direção de longa sobre 'O Alienista', filme chileno e mais  uma temporada de 'Sessão de Terapia' no streaming

A postos, enfim, para realizar o sonho... antigo... de filmar (e protagonizar) "O Alienista", de Machado de Assis, no papel de Simão Bacamarte, o mineiro Selton Mello terá um 2026 dos mais agitados profissionalmente. Seu 2024 foi mágico, com a projeção mundial de "Ainda Estou Aqui", ganhador do Oscar em pleno carnaval deste ano, com 5,8 milhões de tíquetes vendidos só em solo nacional. Seu 2025 foi bombado também, à força dos 4,4 milhões de ingressos que ele e Matheus Nachtergaele venderam com "O Auto da Compadecida 2", de janeiro a março. Os próximos dois semestres podem ser igualmente movimentados para o astro, que é imã de bilheteria. Ele tem uma nova temporada da série "Sessão de Terapia" para levar ao Globoplay. Será visto atuando em Espanhol em "La Perra", da diretora chilena Dominga Sotomayor. E vai comemorar os 20 anos de sua primeira experiência de ficção atrás das câmeras, o curta-metragem "Quando o Tempo Cair", hoje disponível na plataforma MUBI. Antes disso tudo, no dia de Natal, 25 de dezembro, o eterno Chicó promete mobilizar o circuito exibidor - o do Brasil e dos EUA - com sua estreia no cinemão de Hollywood: a nova versão de "Anaconda". Jack Black e Paul Rudd, astros com popularidade tamanho GG lá fora, estrelam a produção, que resgata o sucesso de bilheteria (trash como ele só) de 1997, com Jennifer Lopez e Jon Voight.

A cobra gigante das selvas amazonenses está de volta, mas em formato galhofa. "A coisa mais comovente para mim nesse projeto é o fato de eu ter passado toda a minha adolescência, dos 12 aos 20 anos, morando praticamente nos estúdios da Herbert Richers, dublando filmes de Hollywood, dublando Tom Hanks, Robert Downey Jr., Sean Penn, Griffin Dunne. Dublei todos pensando assim: 'É isso. Eu nunca vou furar essa tela e estar lá do outro lado'. Mas, como a vida é bonita, o mundo girou, e agora estou eu num filme de Hollywood. E o que eu fui fazer agora? Fui me dublar", conta Selton ao Correio da Manhã, numa entrevista via Zoom.

'Essa coisa de atuar e me dublar foi uma experiência mágica'

Selton Mello | Foto: Chelsea Gugliemono/FilmMagic

Quem cresceu nos anos 1990, ouviu muito desenho do Charlie Brown dublado por ele, que cedeu a voz a Josh Brolin em "Os Goonies" (1985). "Essa coisa de atuar em 'Anaconda' e também me dublar foi uma experiência mágica. A sensação era tipo assim: o dublador que venceu na vida. E isso é quase um outro filme, pois eu me senti vingando Newton da Matta, Mário Monjardim, Darcy Pedrosa... os grandes dubladores que me formaram como o ator que eu sou. Eu furei a bolha. Eu fui para lá também. É como se eu tivesse entrado televisão adentro e fui lá fazer um filme daqueles que eu dublava. Era uma mistura de emoções. Eu passei a adolescência inteira botando voz nos caras americanos. Agora eu estou olhando para mim neles. É mágico isso".

Dirigido pelo peruano Luis Llosa (primo do escritor Mario Vargas Llosa), o "Anaconda" dos anos 1990 custou US$ 45 milhões e arrecadou US$ 137 milhões, estabelecendo JLo como estrela das telas, para além de sua carreira como cantora. Ela integrava um grupo de expedicionários em busca de tesouros da fauna brasileira que eram atacados por uma serpente quilométrica... e cheia de fome.

Na releitura de 2025, dirigida por Tom Gormican, Doug (Jack Black) e Griff (Paul Rudd) são amigos de fé e irmãos camaradas desde crianças e sempre sonharam em refazer o filme favorito da vida deles: o "clássico" cinematográfico de Llosa. Quando uma crise de meia-idade baixa no ar, eles decidem tentar e seguem para os confins da Amazônia para começar as filmagens. O personagem de Selton, Santiago Braga, manja de répteis e vai ajuda-los. Mas o bote que eles esperavam dar na própria sorte vai pro brejo depois que uma anaconda GG de verdade aparece, transformando o set caótico e cômico em um convite à morte.

"Eu trabalhei totalmente do zero. Aquele 'Anaconda' de 97, eu não vi na telona", conta Selton. "Não era o tipo de filme de que eu gostasse, lá atrás, de ver no cinema. Então, esse 'Anaconda' que conhecemos, com a JLo, o Eric Stoltz e tudo mais, eu vi só na televisão, dublado, em pedaços, assim, ao longo da vida. Agora, quando o Tom Gormican veio com essa ideia muito original e muito interessante — e muito do estilo dele, vide seu filme (autorreferente) com o Nicolas Cage (chamado "O Peso do Talento"), eu embarquei totalmente. Ele traz essa coisa da meta... a metalinguagem... do filme dentro do filme. Esses caras são amigos que sonham em fazer um filme… naquela vida ali, meio mais ou menos. Eles falam: 'Vamos fazer um filme. Mas vamos fazer o quê? 'Anaconda', do jeito correto'. Ou seja, o jeito que acham que é o correto".

Selton adianta que, na trama, Doug e Griff precisam de um roteiro... e de uma cobra. "Aí entra o meu personagem, Carlos Santiago, que é um personagem sensacional, daquele tipo que eu amo: é esquisito; é engraçado; fala absurdos, mas sem forçar a barra na comédia. Foi uma onda do Tom, e eu adorei. Eu lembro do Will Ferrell, quando penso nele. Will Ferrell é o mestre nisso: falar os maiores absurdos com aquela cara zero. E isso é o que eu estou fazendo com o Santiago. É tudo muito a sério. Ele tem a cobra: é o amor dele, é o seu amigo, é o seu irmão. É a coisa de que ele cuida há muito tempo. É um personagem que eu amei fazer".

No momento em que emplacou uma trajetória como cineasta, com "Feliz Natal" (2008), "O Palhaço" (2011) e "O Filme da Minha Vida" (2018), Selton passou a ser visto como um nome em cheio para brilhar no exterior. O convite apareceu em meio aos elogios que colheu por sua atuação como o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva em "Ainda Estou Aqui", hoje no ar no Globoplay. Cruzou com astros de peso em meio à campanha do longa de Walter Salles para as estatuetas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Acabou por lá.

"Trabalhar com o Jack Black e Paul Rudd… esses caras que eu admiro… pô, é uma honra. Tem aí o 'Escola do Rock'... tem 'Trovão Tropical', que é meio um primo do nosso 'Anaconda' em algum lugar", comemora Selton. "Tem a Thandie Newton em cena também... e o Steve Zahn, que está genial no filme", celebra Selton.

A chance de "Anaconda" estourar lá fora é grande, assim como é alta a hipótese de a presença de Selton mobilizar plateias no Brasil, como ocorreu com seus longas recentes.

"Somando o 'Ainda Estou Aqui' com o 'Auto 2' foram mais de 10 milhões de espectadores no ano passado. Juntando… a gente está aqui, com sala cheias. Vamos ver como se comporta 'Anaconda', mas eu acho que as pessoas vão adorar. Tem esse atrativo de eu estar no filme. É um negócio que já cria uma expectativa. Fica todo mundo assim: 'O que é isso? O que ele faz? Ele faz muito? Ele faz pouco? Ele morre? Ele não morre?'. A galera que é tipo Sherlock Holmes de trailer de cinema fica curiosas", diz o ator. "O filme tem um monte de surpresa. É cheio de Easter eggs (jargão para referências cinéfilas). Ali, próximo dos créditos e até antes até deles, tem uma surpresa que ninguém está imaginando. Pós-créditos também. Agora é o momento do ator e diretor que eu sou, e que já está consolidado no Brasil, dar um salto para fora... e atuar em inglês, atuar em espanhol, dirigir em inglês, dirigir em espanhol, sabe? É a hora de expandir as fronteiras — mantendo meus trabalhos no Brasil, sempre".