Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Gloria Pires estreia como diretora em 'Sexa', nova promessa de blockbuster

Presente como atriz em grandes sucessos nacionais de bilheteria, Glória Pires estreia na direção em 'Sexa' | Foto: Divulgação

Veja as múltiplas faces (e fases) de uma das maiores estrelas do cinema brasileira

Estreia mais inesperada do rol de artistas que debutaram na direção em 2025, Gloria Pires se firma como cineasta, em "Sexa", que entra em cartaz nesta quinta, em meio às comemorações dos 20 anos de uma franquia à qual a comédia brasileira deve um "Muito obrigado!" até hoje: "Se Eu Fosse Você". Ali pela reta final de 2005, na virada do Natal para o Ano Novo, Daniel Filho resolveu levar às telas a saga de um casal que trocava de consciência.

A professora de Canto Helena tinha sua mente deslocada para o corpo do marido, o publicitário Cláudio, e a mente dele ia parar no corpo dela. A causa: uma confluência astral no cosmos. A consequência: graças à química de Gloria, no papel de Helena, e de Tony Ramos, como Cláudio, um dos maiores fenômenos comerciais audiovisuais do país - com 3,6 milhões de pagantes - ganhou telas... e continuação. A parte dois estreou em 2009 e vendeu 6,1 milhões de ingressos. A parte três, com direção de Anita Barbosa, estreia ano que vem. Gloria estará lá, mesmo não sendo a protagonista. Seu nome dá sorte.

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Helena (Gloria) e Cláudio (Tony Ramos) em 'Se Eu Fosse Você' | Foto: Divulgação

"Sexa" terá sessão especial esta noite no Estação Net Gávea, às 20h30, com a presença da diretora e protagonista, da escritora e antropóloga Mirian Goldenberg e mediação da crítica de cinema e doutora em Literatura Janda Montenegro. Espera-se um bocado dessa trama, mas Gloria sempre entrega o que as redes exibidoras almejam."Eu acho que a escuta é um dom, e no cinema é essencial escutar, porque ninguém faz nada sozinho", explicou Gloria Pires, ao Correio da Manhã, na Mostra de São Paulo. "Tive a sorte de ter um set harmonioso, em que todos se sentiam donos do filme. As mulheres da equipe também eram donas do seu pedaço, e isso fez a diferença para superarmos tantos desafios. Estou em quase 90% do filme, mas abrir espaço para todos contribuírem foi um gesto fundamental."

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'O Quatrilho' concorreu ao Oscar em 1996 | Foto: Divulgação

Em 1996, quando o cinema do Brasil, paralisado nos anos Collor, com a quebra da Embrafilme, viveu a Retomada, ela brilhou no planisfério cinéfilo à frente de "O Quatrilho", que assegurou uma indicação ao Oscar ao país. Estatísticas oficiais da Ancine e do portal Filme B registram que essa produção, ambientada no Sul do país, vendeu 1,1 milhão de entradas à época. Não levou muito tempo até ela aparecer com destaque em outros êxitos, como o cult lírico "Pequeno Dicionário Amoroso" (1997) e a dramédia "A Partilha" (2001), que somou 1,4 milhões de tíquetes vendidos. Ali, sua parceria com Daniel Filho seguiu fluida, com direito a meio milhão de pagantes para "Primo Basílio", de 2007. Dois anos depois, apareceu na pele de Dona Lindu, mãe do nosso atual presidente, em "Lula, O Filho do Brasil", com Rui Ricardo Dias. O longa abriu o Festival de Brasília, gerou polêmica, mas envelheceu com frescor.

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'Índia, a Filha do Sol' teve projeção na Quinzena de Cannes, em 1982 | Foto: Divulgação

Antes da Retomada, Gloria viu seu rosto ser projetado com pompas nas telonas da Quinzena de Cineastas do Festival de Cannes, em 1982, em "Índia, a Filha do Sol", sob a direção de Fábio Barreto (1957-2019), seu parceiro em muitos títulos, inclusive "O Quatrilho". Voltou a aparecer na Croisette em 1984, no épico "Memórias do Cárcere", que assegurou o Prêmio da Crítica a Nelson Pereira dos Santos (1928-2018) e vendeu 1.113.125 ingressos. Em 1989, foi Sandra em "Jorge, Um Brasileiro" (1989), que correu estradas planeta adentro, com Dean Stockwell (1936-2021) na boleia.

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A atriz com Paulo Miklos em 'É Proibido Fumar', de Anna Muylaert, consagrado com um balde de Candangos no Festival de Brasília | Foto: Divulgação

Ali pelo fim dos anos 2000, Gloria teve uma sinergia criativa preciosa com Anna Muylaert em "É Proibido Fumar" (2009), vencedor com pompa e circunstância do Festival de Brasília. Marola alguma embaça o desempenho da atriz nessa produção. Na sequência, em 2013, foi a vez de ela comover a Berlinale, em solo alemão, com "Flores Raras", de Bruno Barreto, contracenando com a australiana Miranda Otto, a Eowyn de "O Senhor dos Anéis". Viveu a arquiteta Lota de Macedo Soares (1910-1967).

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'Nise' venceu o Festival de Tóquio e rendeu prêmio japonês para sua estrela | Foto: Divulgação

Há dez aos, Gloria emprestou seu talento ao delicado "Nise", de Roberto Berliner, que venceu o prêmio do júri popular do Festival do Rio, ao narrar a cruzada contra a brutalidade manicomial da Dra. Nise da Silveira (1905-1999). O longa ganhou o Festival de Tóquio, no Japão, e deu à atriz uma láurea nipônica de melhor interpretação.

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Glória vive uma consumidora compulsiva na comédia 'Desaapega', de Hsu Chien | Foto: Helena Barreto/Divulgação

Quando o Brasil ainda expectorava o ranço da pandemia, penando salas vazias para bons filmes nacionais, Gloria ajudou "Desapega!", de Hsu Chien Hsin, a virar coqueluche e inflar o público de muito multiplex. Espera-se um destino similar de "Sexa". Sua taxa de riso em oferta é alta.

Lançado na abertura do Festival do Rio, "Sexa" chegou à 49ª Mostra de São Paulo de mansinho, em outubro, sem alardear suas potências - e são muitas, sobretudo em seu roteiro, primoroso em relação a diálogos -, apoiada apenas no fato de marcar a estreia de Gloria na direção de longas. É um fato, em si, atraente, sabendo-se que estamos falando de uma atriz que é um sintagma vivo de Brasil, capaz de falar com muitas classes sociais, quicando bem do melodrama à comédia, com saltos do drama realista, sempre com eficácia. Fez jus à ladainha do "cinema é a maior diversão", mas, de quebra, faz a gente pensar... e sentir. Não à toa, seu primeiro longa como realizadora saiu da maratona paulistana com o status de "filme delicinha".

Escrito por Guilherme Gonzalez, com colaboração de Bianca Lenti e da própria Gloria, "Sexa" é uma crônica de costumes das boas, com clima "Sessão da Tarde" até quando propõe o balanço de angústias geracionais - em relação ao amor romântico e ao amor maternal - de mulheres na casa dos 60. A fotografia dionisíaca de Kika Cunha calça plasticamente o script com um colorido quente, sem extrapolar as CNTPs do gênero, sem dar uma de Almodóvar.

O bate-bola de frases do elenco é rico, mas há uma riqueza igualmente valiosa na direção de arte de Mônica Delfino que calça conversações, desabafos, transas e DRs que sempre mantêm o pé no chão, com atenção ao real, sem alienações. É mais "Malu Mulher" do que "Sex and the City". Não há deslumbres, há alianças.

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Isabel Filardis tem um de seus melhores desempenhos contracenando com (e sendo dirigida por ) Gloria Pires em 'Sexa' | Foto: Divulgação

Tudo se desenha a partir do "sacode" que a vida dá em Bárbara, uma revisora de livros, fã da literatura de Clarice Lispector, que, ao chegar aos 60 anos, enfrenta uma série de mudanças bruscas. Gloria encara esse papel com o garbo de sempre. Torna crível (e universal) o engasgo da personagem diante das cobranças do filho músico esquerdo-macho. Nas falas inesquecíveis, chama-se quem "sessentou" de integrante do "clã das cicatrizes". Fala-se de rugas como "marcas de combate", numa pensata de Rosamaria Murtinho, que esbanja sabedoria numa participação luxuosa.

A figura vivida por Rosamaria ajuda Bárbara a conjugar o verbo "amar" na desinência da leveza, diante de sua coqueluche frente ao técnico de Informática viúvo (porém 25 anos mais jovem) chamado Davi (um papel defendido com afinco por Thiago Martins). O boyzinho mexe com seu miocárdio, mas ela teme conflitos intergeracionais, teme abandonos (que não virão). Nessa trupe cheia de graça, destaque ainda uma Isabel Filardis faiscando de carisma em seu trabalho como Cristina, vizinha e amiga n.1 da protagonista. Outro show vem de Eri Johnson, como o pai todo pimpão de Davi. Esse povo todo encontra seu jeito de solar, mas também de dividir a bola com elegância, numa partida em que Gloria vence todo e qualquer marasmo.

Que filme de novo logo... depressa.