Harmonizado com o corte curatorial estipulado pela direção artística do Festival de Marrakech, o júri da 22ª edição do evento marroquino, presidido pelo cineasta sul-coreano Bong Joon Ho (de “Parasita”)., concedeu a Estrela de Ouro de 2025 ao (melo)drama francês de DNA tunisiano “Paraíso Prometido” (“Promis Le Ciel”, de Erige Sehiri. Projetado pela primeira vez em Cannes, na mostra Un Certain Regard e já exibido no Brasil, no Festival do Rio (embora siga inédito em circuito comercial), o longa-metragem é uma celebração da sororidade, com base na luta de três mulheres num mundo racista. Uma delas, vivida por Debora Lobe Naney, recebeu um troféu à parte - o de Melhor Interpretação Feminina - votado em unanimidade pelas juradas e jurados, entre eles, o cearense Karim Aïnouz, diretor de “Motel Destino” (2024).
“Buscamos falar da imigração preservando as individualidades de cada personagem”, disse Erige no palco.
Jornalista de formação, a cineasta de origem familiar na Tunísia abandonou a reportagem a fim de se firmar em sets de filmagem. Ganhou notoriedade em 2022, com “Debaixo das Figueiras” e regressa agora, com Paraíso Prometido”, narrando as peripécias de uma dupla empoderada de amigas que bagunça a rotina de uma repórter que abraçou a fé e virou pastora evangélica. Em meio a suas pregações, essa religiosa transforma seu lar num abrigo informal para suas inquilinas, que encaram as asperezas do cotidiano. A chegada de uma órfã vai mudar a rotina das adultas que moram ali e testar as potências sentimentais de todas em cena.
“Com entrada gratuita para a população local, este festival, desde o seu início, em 2001, faz o esforço de construir relações muito fortes com cineastas e estrelas extraordinárias de todo o mundo. Tentamos nos concentrar, na competição, em trabalhos de diretoras e diretores que estejam no máximo em seu segundo filme, apresentando o olhar novo e fresco que têm para júris repletos de artistas de respeito”, disse, programador responsável pela curadoria de Marrakech, em entrevista ao Correio da Manhã.
Entre os 13 longas em concurso, dois eram ensaios documentais e ambos saíram laureados, num empate corajoso, na escolha do Prêmio do Júri: o checheno “Memory”, de Vladlena Sandu, e o líbio “My Father And Qaddafi”, de Jihan K, considerado uma espécie de “Ainda Estou Aqui” da não ficção. Ambos falam das consequências de conflitos de essência política na vida de mulheres, que tentam reconfigurar suas recordações familiares, entre arquivos e fábulas.
O (acertado) prêmio de Melhor Direção dado ao britânico Oscar Hudson pelo único filme de tons cômicos no certame, “Círculo Reto” (“Straight Circle”), foi antecedido por uma menção a seus atores, que são irmãos gêmeos: Eliott e Luke Tittensor. Eles encarnam soldados inimigos num combate que já não faz mais sentido. Paralelamente à vitória deles, o troféu de melhor Interpretação Masculina foi dado a Sopé Dirisú, por “A Sombra do Meu Pai” (“My Father's Shadow”), uma reconstituição histórica anglo-nigeriana, que saiu de Cannes com o prêmio Caméra d'Or, em empate com o iraquiano “O Bolo do Presidente”. Sopé vive um pai que se empenha para desfrutar do amor dos filhos em meioa uma transformação eleitoral na Nigéria de 1993. Seu diretor, Akinola Davies Jr., esteve em terras brasileiras em outubro, na Mostra de São Paulo, de onde saiu com o Prêmio da Crítica.
“Por anos a fio, a África teve sua História contada por filmes europeus e americanos sob uma perspectiva branca. Agora, há uma geração que fala de seu continente com a legitimidade de quem viveu lá”, disse Akinola ao Correio.
Ao fim da premiação, o Palácio do Congresso de Marrakech exibiu o épico “Palestina 36”, num desfecho elegante para um festival cercado de diversidade autoral.
Premiação de Marrakech
Estrela de Ouro: “Paraíso Prometido” (“Promis Le Ciel”), de Erige Sehiri
Prêmio do Júri: “My Father And Qaddafi”, de Jihan K, e “Memória” (“Memory”), de Vladlena Sandu
Melhor Direção: Oscar Hudson (“Círculo Reto”)
Melhor Atriz: Debora Lobe Naney (“Paraíso Prometido”)
Melhor Ator: Sopé Dirisú (“A Sombra do Meu Pai”)
Menção especial: para os irmãos Eliott e Luke Tittensor, por sua atuação em “Círculo Reto”