Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Hollywood, o Brasil ainda está aí

Com cerca de 24 prêmios internacionais no currículo, desde a quádrupla vitória em Cannes, 'O Agente Secreto' trilha as atenções do Oscar 2026 | Foto: Victor Jucá/Divulgção

Carreira internacional de 'O Agente Secreto' pode galgar mais um degrau nesta segunda com o anúncio do Globo de Ouro, fincando os pés na corrida do Oscar 2026 e na consagração da crítica

Desde maio, quando concorreu à Palma de Ouro, numa estreia consagradora no Festival de Cannes, "O Agente Secreto" - hoje no caminho para somar um milhão de pagantes em salas de exibição - já ganhou 24 prêmios no exterior. Não estão contabilizadas aí um par de láureas celebrativas dadas a seu diretor, Kleber Mendonça Filho, e seu astro, Wagner Moura, em festivais de prestígio. Todas essas vitórias pavimentam uma trilha que, esta manhã, pode deixa-lo ainda mais perto do Oscar. Por volta das 10h15 desta segunda, a atriz Skye P. Marshall e ator Marlon Wayans vão anunciar os indicados nas 28 categorias do 83° Globo de Ouro. Especula-se a presença nacional entre filmes e profissionais a serem mencionados. Se essa previsão se concretizar a jornada que nosso cinema trilhou entre o segundo semestre de 2024 e março deste ano com "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, tende a se repetir.

D São dois longas-metragens distintos, embora ambos se passem parcialmente na década de 1970 e deem ao regime militar de então uma abordagem crítica - cada um tratando a época à sua maneira.

Salles foi oscarizado em pleno carnaval. Contabilizou outros 78 prêmios, entre os quais o Grand Prix Fipresci de Melhor Filme do Ano, atribuído pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica, durante o Festival de San Sebastián, na Espanha. Faturou US$ 36 milhões nas bilheterias internacionais e vendeu 5,8 milhões de ingressos no Brasil. Começou seu percurso com a indicação ao Leão de Ouro de Veneza, onde ganhou o troféu de Melhor Roteiro de um júri chefiado pela diva francesa Isabel Huppert do qual Kleber fazia parte. A mudança de seu status na chamada Oscar Season - a temporada de premiações que, de novembro a fevereiro, antecede a cerimônia anual da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, aquecendo suas turbinas - se deu em 9 de dezembro do ano passado.

Naquela data, a atriz Mindy Kaling e o ator Morris Chestnut anunciaram o certame do Globo de Ouro de 2025. "Ainda Estou Aqui" foi listado entre os competidores ao título de Melhor Filme de Língua Não Inglesa e Fernanda Torres foi mencionada entre as estrelas que concorreriam à honraria de Melhor Atriz Dramática. Na dinâmica da Golden Globe Foundation, que reúne uma massa de jornalistas estrangeiros especializada em cinema e teledramaturgia, as categorias são blocadas entre Drama (que engloba ainda Ação e Terror) e Comédia/Musical. Fernanda acabou por ser contemplada pela associação, que tomou as rédeas dessa tradicional consagração ao esforço artístico num momento em que sua gestora anterior, a Hollywood Foreign Press Association (HFPA), estrava em crise. Uma renovação se fez.

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A premiação de Fernanda Torres chamou a atenção de Hollywood para as narrativas audiovisuais brasileiras | Foto: Reprodução TV

Devassada por polêmicas na chegada dos anos 2020, a HFPA abriu suas portas em 1943, com o objetivo de estimular a circulação de notícias ligadas ao mais popular motel platônico do século XX - o cinema - para além dos muros dos Estados Unidos, tendo como principal chamariz de seu trabalho a organização de um prêmio anual: o tal Globo de Ouro. A primeira cerimônia em que a láurea foi concedida ocorreu em 1944, no estúdio 20th Century Fox, de olho nos magnatas da indústria. Seu primeiro vencedor foi "A Canção de Bernardette", que conquistou vitórias nas disputas de Melhor Filme, Direção (Henry King) e Atriz (Jennifer Jones). Seu troféu - caracterizado por uma reprodução da esfera terrestre rodeada por uma película de filme cinematográfico - teve vários designers ao longo das últimas oito décadas. A versão distribuída atualmente pesa cerca de 3,5 quilos; é feita de latão, zinco e bronze; mede 11,5 polegadas, acoplando-se a uma base retangular, vertical, de notável elegância. De 1950 até 2022, guerras internas - de egos e de condutas profissionais questionadas em parâmetros éticos - quase levou a festa de entrega dessa estatueta à extinção, sob a acusação de abusos de poder, falta de representatividade (das populações negras, asiáticas, indígenas) e sexismo.

A ameaça de cancelamento reinou sob as cabeças da HFPA até uma revitalização, em 2023, já sob as engrenagens da Golden Globe Foundation. Essa lanternagem (ética e estética) dá ao contingente de profissionais de mídia envolvidos em sua realização a chance de abrir as atividades para 2026 abençoada por toda a Meca do entretenimento.

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'Un Simple Accident' foi baseado em histórias vividas pelo realizador Jafar Panahi e por outras vítimas da perseguição promovida pelo regime fundamentalista iraniano | Foto: Divulgação

Com a reformulação, a composição de seus integrantes com direito a voto se ampliou o que leva a crença de que "Foi Apenas Um Acidente" ("Un Simple Accident"), drama político com toques de suspense do realizador iraniano Jafar Panahi possa se destacado nesta segunda em categorias como Melhor Direção, Melhor Roteiro e até a de Melhor Filme de Drama. O diretor de "O Balão Branco" (1996), famoso por suas lutas contra as arbitrariedades do governo do Irã (que o sentenciou à prisão, caso ele lá volte, na semana passada), não era o tipo de artesão autoral que passava no crivo do Globo dourado de outrora. Agora é.

O longa que lhe deu à Palma de Ouro, já em cartaz no Brasil, hoje é visto como um potencial vencedor de muitas premiações hollywoodianas. Vale o mesmo para o experimento transcendental espanhol "Sirât", do galego Oliver Laxe, centrado na busca de um pai por sua filha numa rave no deserto. Ambos os longas brilharam no Festival de Marrakech, no Marrocos, entre 29 de novembro e o último sábado. Muita gente que Skye e Wayans hão de mencionar neste 8 de dezembro (entre as quais o mexicano Guillermo Del Toro e seu "Frankenstein") notabilizam-se ainda mais em telas marroquinas.

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Luis (Sergi Lopez, de camisa azul, à direita) vive um pai em busca da filha em 'Sirât', de Oliver Laxe | Foto: Divulgação

Kleber esteve lá também, para participar de uma sabatina na seção Conversas, onde passou em revista uma obra que hoje delicia-se no mimo da crítica internacional. Uma de suas conquistas mais sólidas foi a inclusão de "O Agente Secreto" na capa da revista "Cahiers du Cinéma", Bíblia da cinefilia desde 1951, que incluiu a saga ambientada no Recife de 1977 em seu aclamado (porém, controverso) Top Ten anual, numa seleção de dez queridinhos da vez de sua redação, onde entrou ainda o épico luso-brasileiro "O Riso e a Faca", do português Pedro Pinho. Kleber já apareceu nesse periódico antes. Foi repórter de cinema em Pernambuco, dos anos 1990 até o princípio da década passada.

"Os anos como crítico foram importantes para a minha formação artística porque tinha de ver muitos... muitos filmes", disse Kleber a Marrakech. "Hoje vemos apenas os filmes que queremos ver; mas como crítico, eu também via filmes que, em circunstâncias normais, nunca escolheria. E ao vê-los, fazia descobertas. Vê-se um grande número de filmes e depois exerce-se a escrita sobre eles. Fiz isso durante 13 anos. Tornou-se um exercício constante e, a partir dele, eu pude compreender o que a cultura está a fazer conosco. Para mim, crítica é isso: medir a temperatura cultural. Pode aplicar-se à música e à literatura também. Mesmo uma comédia romântica comercial pode ser interessante como termómetro do mundo. Depois fiz os meus curtas e chegou o momento de preparar o primeiro longa, 'O Som ao Redor'. Senti que era a altura certa para mudar. Lembro-me de abandonar a crítica numa sexta-feira e começar a pré-produção no sábado seguinte. Foi como deixar de fumar".

Indicado à Palma de Ouro antes com "Aquarius", em 2016, e com "Bacurau", que lhe rendeu o Prêmio do Júri de Cannes em 2019 (em codireção com Juliano Dornelles), Kleber foi agraciado com o troféu de Melhor Direção de Cannes deste ano, além do Prêmio da Crítica da Fipresci e de uma láurea especial da Associação de Cinemas de Arte e Ensaio da França. Wagner Moura, baiano de Rodelas que estrela "O Agente Secreto", foi escolhido como Melhor Ator pelo júri cannoise que teve a atriz francesa Juliette Binoche como presidente. Esta semana, a Associação de Críticos de Cinema de Nova York fez dele o seu preferido.

Na trama de "O Agente Secreto", ele chega num fusquinha no Recife de 77, atendendo pelo nome de Marcelo, para integrar o estafe de uma repartição onde registros de identidade são tirados e arquivados. Busca uma evidência sobre sua mãe, uma mulher de origem pobre que engravidou dele numa transa com um patrão rico. Tem um filho que deseja tirar de lá e levar para viver consigo. O tal Marcelo esconde um segredo que envolve a disputa por uma patente científica da universidade pública, na qual era professor e pesquisador. Assassinos estão em seu encalço. Uma entidade que protege desafetos de Geisel, o ditador de então, zela por ele, sob uma premissa: "precisamos te proteger do Brasil".

Quem quiser saber do futuro dessa trama no Globo de Ouro deve sintonizar às 10h no site CBSNews.com e no programa de notícias "CBS Mornings". Os telespectadores também podem assistir ao anúncio ao vivo nos canais da CBS News no YouTube e no TikTok. Cada nome citado será destacado nas contas das redes sociais do Golden Globes® à medida que forem anunciados, com a lista completa dos indicados disponível no site da fundação imediatamente após o anúncio. A entrega dos troféus está marcada para 11 de janeiro. A festa rola no Beverly Hilton, na Califórnia, e terá a comediante Nikki Glaser como apresentadora.