Uma das mais prolíficas e aclamadas atrizes da Europa vem ao Rio para o Festival do Cinema Francês no Brasil e lança 'A Mulher Mais Rica do Mundo', discutindo chavões do audiovisual
Presidente do júri que deu a "Ainda Estou Aqui" seu primeiro prêmio (o de Melhor Roteiro, em Veneza, em 2024), Isabelle Huppert pode esperar muitas expressões de gratidão, em sua vinda ao Brasil, neste fim de semana, pelo que fez pelo oscarizado longa-metragem de Walter Salles - e por tudo o que já nos deu de excelência nas telas. Ela já está no país e tem compromisso com o público do Festival do Cinema Francês no Brasil já esta noite, no Odeon, em evento para convidados.
A partir de quinta, tem uma maratona de debates do longa-metragem "A Mulher Mais Rica do Mundo" ("La Femme La Plus Riche Du Monde"), de Thierry Klifa. Seu roteiro abre voz para diferentes núcleos de personagens que exploram a protagonista, Marianne Farrère, vivida pela diva. Sua beleza, sua inteligência, seu poder incomodam. Em torno dela, há uma herdeira desconfiada que luta para ser amada; um mordomo atento que sabe mais do que diz. Segredos de família eclodem pelas trilhas de Marianne, que arranca de Isabelle (mais) uma atuação impecável.
"Cada personagem me obriga a me ajustar a contextos completamente distintos, não importa qual seja o enredo. As composições não se assemelham entre si. Tenho a sensação de que existe aí uma procura por identidade — algo que, de certo modo, espelha a própria arte de representar. Quando atuo, procuro permanecer fiel a mim mesma em cada interpretação, deixando que um pouco de quem sou atravesse o papel. Filmar torna-se mais estimulante quando somos convidados a enfrentar o insólito. E há algo profundamente singular na ideia de imaginar como reagiríamos diante de situações tão afastadas do nosso quotidiano e da nossa experiência habitual", disse a atriz ao CORREIO DA MANHÃ na Berlinale, na Alemanha. quando a produção escalada para abrir o Festival do Cinema Francês no Brasil saía do papel. "Tudo ganha mais colorido no cinema quando operamos na chave da sutileza".
Presença nobre no Brasil, Isabelle sempre percorre os festivais do mundo. Em 2009, ela presidiu o júri do Festival de Cannes, concedendo a Palma de Ouro a seu habitual colega de trabalho Michael Haneke, por "A Fita Branca". Integrar competições é uma tarefa com a qual está habituada, em sua agenda movimentada, sempre cheia de projetos, como é o caso de "Histoires Parallèles", com que vai trabalhar com o iraniano Asghar Farhadi.
"Sempre existem cineastas com uma perspectiva sobre o mundo que pode surpreender, o que me leva a estar sempre aberta a convites e a propostas de bons roteiros. É na leitura de um bom script que eu sou fisgada e tentada a dizer 'sim' a um convite", disse Isabelle, ao Correio da Manhã, em entrevista no Festival de Berlim (a Berlinale), em fevereiro, quando concorreu com "As Aventuras de uma Francesa na Coreia". "Não penso na qualidade de atriz que sou, e, sim, na diferença que eu posso fazer no cinema como espectadora. Atuando, sou intuitiva. Mas eu sei ver filmes e sei observar boas ideias. O que me mantém no cinema é a troca com diretoras e diretores que me tirem do maniqueísmo. Simone de Beauvoir tem um texto que se chama 'Por Uma Moral Da Ambiguidade' no qual nos alerta para o limite entre hipóteses e verdades. É esse o tipo de revelação que a arte nos dá".
Por ter positivado em um teste de covid-19 dias antes de embarcar para a Berlinale de 2022, Isabelle não pôde comparecer à cerimônia de entrega do Urso de Ouro Honorário daquele ano, que receberia pelo conjunto de sua carreira, iniciada em 1971. Teve a chance de buscar seu troféu de honra na edição do evento, da qual participou tanto na competição (com o já citado "As Aventuras de uma Francesa na Coreia", que ganhou o Grande Prêmio do Júri alemão) quanto na seção Panorama, com o delicioso policial "Le Gens d'à Côté". No papo que teve com o Correio, ela falou com carinho da boa acolhida de seus longas no Brasil.
"Eu fiquei feliz ao saber que um dos meus mais recentes trabalhos, "A Dona do Barato', que eu protagonizo, foi o filme francês de maior sucesso no Brasil durante a pandemia. Sei que tenho convites pendentes para visitar vocês, mas ainda não tive chance de dar um pulo no país de vocês. O cinema tem muitas vozes novas ativas, criando mundos próprios. Eu vivo em busca dessas vozes", disse Isabelle, que encantou a capital alemã sob a direção do realizador sul-coreano Hong Sangsoo.
Os dois fizeram juntos "A Visitante Francesa", em 2012, e "A Câmera de Claire", em 2017. A dupla retoma o convívio em "As Aventuras de uma Francesa na Coreia", que pode ser visto hoje no Prime Video da Amazon. Nele, Isabelle interpreta uma abilolada professora de Francês que engata em conversas e bebedeiras com artistas para quem leciona. Um jovem poeta e sua mãe bem intrujona integram a fauna de personagens de Sangsoo.
"Hong não trabalha com roteiro, nem com enredo definido. A gente vai criando no processo, em tramas bem-humoradas, mas carregadas de uma certa melancolia", disse a estrela, que, nesta sexta, vai debater "A Mulher Mais Rica Do Mundo" no Cinesystem Botafogo, às 18h50. "Sempre que o cinema nos oferece uma personagem feminina forte e complexa as barreiras morais são quebradas".