Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Um panorama francês nas telas

'O Estrangeiro', de François Ozon, é uma das atrações imperdíveis do festival | Foto: Carole Bethuel Foz/Gaumont

Festival do Cinema Francês do Brasil traz 20 longas inéditos e um clássico recauchutado: 'A Cabra', de Francis Veber

Outrora chamada de Varilux, uma das maiores maratonas de projeção (e promoção) da arte europeia na América Latina agora tem outro nome: Festival de Cinema Francês do Brasil. O rótulo é outro, a excelência é a mesma e a quantidade de títulos segue a impressionar: 20 longas-metragens inéditos mais um clássico recauchutado em cópia estalando de nova: "A Cabra", de Francis Veber. Sua programação vai correr simultaneamente por 51 salas do país desta quinta-feira até o próximo dia 10. Na curadoria, o casal Emmanuelle e Christian Boudier assegurou a vinda de uma claque de convidados de peso (Valérie Donzelli, Salif Cissé, Fabienne Godet) e dá espaço nobre a uma das divas mais aclamadas da França nas telas, Isabelle Huppert, que visita o Rio neste fim de semana e passa por Salvador na sequência, para lançar "A Mulher Mais Rica Do Mundo", que passa esta noite no Odeon, e terá sessão com debate nesta sexta, às 18h50, no Cinesystem Belas Artes.

O Correio da Manhã passou a programação num filtro e selecionou os títulos mais urgentes, que melhor desenham um retrato das inquietudes francesas - com um puxadinho pra Bélgica - da atualidade.

A obra-prima deste Festival é...

Macaque in the trees
O Estrangeiro | Foto: Fotos/Divulgação

O ESTRANGEIRO ("L'Étranger"), de François Ozon: Não se faz um painel coerente de estéticas francófonas sem o mais prolífico artesão audiovisual da língua de Balzac, que vendeu meio milhão de tíquetes, em duas semanas, com sua adaptação do romance homónimo de Albert Camus (1913-1960). "O Estrangeiro" (1942) foi adaptado para o teatro no Brasil no início dos anos 2000 e reconfigurou a carreira do ator Guilherme Leme Garcia. Já em 1967, tinha sido levado ao cinema por um mestre, Luchino Visconti (1906-1976), com Marcello Mastroianni (1924-1996) como protagonista. Agora é a vez de Ozon, que se apoia no carisma de Benjamin Voisin (com quem já trabalhara em "Verão de 85"), no papel de Meursault. Fiel a Camus, o seu "L'Étranger" decorre em Argel, em 1938, onde Meursault, um funcionário discreto e modesto na casa dos trinta, comparece ao funeral da mãe sem derramar uma lágrima. No dia seguinte, envolve-se num romance casual com uma colega, Marie, e retoma rapidamente a sua rotina, sem enfrentar o luto. Contudo, a sua vida quotidiana é logo perturbada pelo vizinho, Raymond Sintès, que o arrasta para os seus negócios obscuros — até que, num dia de calor extremo, ocorre um acontecimento trágico numa praia: a morte de um árabe. É um Ozon em ebulição.

Outras atrações imperdíveis:

Macaque in the trees
Mãos à Obra | Foto: Divulgação

MÃOS À OBRA ("A pied d'œuvre"), de Valérie Donzelli: O filme ganhador do prêmio de Melhor Roteiro do Festival de Veneza, em setembro, arranca uma atuação impecável de Bastien Bouillon, que estará no Brasil para o evento de Emmanuelle e Christian Boudier. Ele encarna um fotógrafo de sucesso que abandona tudo para se dedicar à escrita, a fim de atender a um chamado da literatura, e descobre a pobreza. A duras penas ele se dá conta de que concluir um texto não significa ser publicado, ser publicado não significa ser lido, ser lido não significa ser apreciado, ser apreciado não significa ter sucesso, ter sucesso não garante fortuna.

Macaque in the trees
Fanon | Foto: Divulgação

FANON, de Jean-Claude Barny: Alexandre Bouye tem uma atuação devastadora neste recorte biográfico dos feitos do psiquiatra e filósofo martinicano Frantz Fanon (1925-1961), o pensador que ousou enfrentar o sistema colonial francês, expressando suas ideias em livros como "Pele Negra, Máscaras Brancas" (1952). Em plena Guerra da Argélia, sua trajetória redefiniu não só a psiquiatria e a luta anticolonial, mas a própria ideia de liberdade. O longa de Barny, que vai estar no Rio, é um retrato de precisão cirúrgica da conexão do pensador com os conflitos em terras argelinas.

Macaque in the trees
Fora de Controle | Foto: Divulgação

FORA DE CONTROLE ("Dis-moi juste que tu m'aimes"), de Anne Le Ny: Foram os Boudier, duo curatorial do Festival do Cinema Francês, que mais ajudaram a populariza Omar Sy em solo nacional, antes de seus tempos como "Lupin". Ele exorta toda a maturidade que adquiriu de "Intocáveis" (2011) até hoje neste misto de drama e thriller afetivo. Há um casal em foco: Marie e Julien, vividos por Elódie Bouchez e Omar. Após quinze anos de casamento, uma crise coloca à prova a união deles. Quando Anaëlle (Vanessa Paradis), grande amor de juventude de Julien, reaparece no panorama, Marie entra em pânico. Perdida em uma espiral infernal de ciúmes e autodepreciação, ela se deixa levar por um caso com seu novo chefe, Thomas (José Garcia). O sujeito se revela tão manipulador quanto perigoso. O risco redesenha o filme.

Macaque in the trees
Maya, Me Dê Um Título | Foto: Divulgação

MAYA, ME DÊ UM TÍTULO ("Maya, Donne-Moi Un Titre"), de Michel Gondry: Cerca de 21 anos depois de rodar "Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças" (2004), o mestre do videoclipe resolve apostar na animação, fazendo um experimento nas raias da colagem, estruturado como uma carta de amor à sua filha. Faz dela personagem, numa reflexão sobre como as crianças reinventam a realidade a partir de referências banais do cotidiano, como batatas fritas. Ganhou o Urso de Cristal da mostra Generation da Berlinale.

Macaque in the trees
Jovens Mães | Foto: Divulgação

AS JOVENS MÃES ("Jeunes Mères"), de Jean-Pierre e Luc Dardenne: Construído como narrativa coral (com vários núcleos de personagens), o novo longa-metragem dos irmãos belgas ganhadores de duas Palmas de Ouro (conquistadas com "Rosetta" e "A Criança") parte de um centro de acolhimento para meninas que tiveram filhos na adolescência, seja por descuido com métodos contraceptivos, seja em consequência de violência sexual. As jeunes mères do título são Jessica (Bebette Verbeek), Perla (a força da natureza Lucie Laruelle), Julie (Elsa Houben), Ariane (Janaina Halloy Fokan) e Naïma (Samia Hilmi). Cada uma enfrenta um conflito que passa pela impossibilidade legal e financeira do aborto (nunca abordado por vieses moralistas ou religiosos) e pelas indelicadezas de seus responsáveis e companheiros. A saga dessas mulheres rendeu à produção a láurea de Melhor Roteiro em Cannes.

Macaque in the trees
O Segredo da Chef | Foto: Divulgação

O SEGREDO DA CHEF ("Partir Un Jour"), de Amélie Bonnin: Longa de abertura do Festival de Cannes deste ano, essa delicinha musical foge dos códigos da Broadway. Nele, uma chef que bomba em reality shows de culinária, a bem-sucedida cozinheira Cécile Béguin (papel de Juliette Armanet), precisa voltar à cidade natal para ajudar o pai e reencontra o crush dos tempos de escola cheio de amor pra dar. O problema: ela está grávida de seu namorado. O enredo cheio de viradas afetivas ajudou a fita a vender 651 mil ingressos na França.

 

Macaque in the trees
Vizinhos Bárbaros | Foto: Divulgação

VIZINHOS BÁRBAROS ("Les Barbares"), de Julie Delpy: Mais recente exercício de direção da estrela de "A Igualdade É Branca" (1994) e "Antes do Amanhecer" (1995). A produção ironiza o bom-mocismo da política assistencial da Europa. No enredo, os cidadãos da Bretanha decidiram por unanimidade aceitar refugiados ucranianos em troca de subsídios do governo. No entanto, em vez de ver receber uma leva de imigrantes da Ucrânia, a prefeitura local acolhe (por engano) imigrantes sírios, o que causa uma série de conflitos ligados a práticas de xenofobia. Delpy faz parte do colossal elenco, ao lado de Sandrine Kiberlain e Laurent Lafitte.