Num debate sobre imigração, a produção belga 'The Silent Run' se impõe na disputa pela Pirâmide de Ouro ao retratar a dinâmica de estrangeiros numa Europa marcada por racismo
Embora representa a Bélgica na competição que, na noite desta sexta, vai consagrar um dos 14 concorrentes à Pirâmide de Ouro com o troféu cinéfilo da terra dos faraós, Marta Bergman fez "The Silent Run" para simbolizar três valores universais - culpa, lealdade e família - sem usar um CEP para isso. Fiel a um modo peculiar de filmar vidas em trânsito, visível em "Seule À Mon Mariage", que lhe deu fama em 2018, a realizadora volta a flanar pela ficção com um realismo quase documental, para falar sobre imigração. Foi ao 46° Festival de Cairo (CIFF) acompanhada por sua atriz, a tunisiana Zbeida Belhajamor, que deslumbrou plateias com sua doída atuação.
"A linguagem corporal, com gestos, foi fundamental para criar a dinâmica de interpretação de uma história que partiu de um fato real (a morte de uma criança, no trânsito de estrangeiros em migração) e começa como um sonho, para nos tirar a noção de território, para tirar a referência de espaço", diz a cineasta ao Correio.
Só a sequência inicial, em tons rubros terrígenos, com um casal a se amar como se o nosso mundo não estivesse ruínas, num espaço que parece um casulo, bastou para cacifar "The Silent Run" como um dos achados do Cairo, em 2025.
"A inocência era um dos focos de ação que seguimos para criar", diz Zbeida. "Construímos o filme imaginando um cotidiano, que não está na tela, para a pessoas que retratamos. Eu trouxe referências da relação com a minha mãe", explica a atriz.
No roteiro filmado por Marta, os imigrantes Sara (Zbeida), Adam (Abdal Alsweha ) e sua filha de dois anos chegaram ilegalmente à Europa, por fronteiras belgas, e esperam finalmente conseguir chegar à Inglaterra. Amontoados com outros refugiados na parte de trás de uma van, eles provam do medo, que começa a prevalecer sobre a esperança. Um policial complicará a vida desse pessoal, colocando sua própria farda em xeque, num dilema ético acerca da intolerância.
"Exploramos muito a questão da ambiguidade moral num enredo que explora a complexidade dos modos de olhar uma realidade. Há um contexto policial ali em que a Lei exige que haja um culpado. Só que nesse contexto existe o racismo. Existem formas diferentes de se olhar o que se chama de minoria. Mas não é uma perspectiva apenas belga", diz Marta. "Busquei espelhar a forma de conexão social. Tanto o grupo de imigrantes como o grupo de policiais agem como se fossem famílias".