Sete produções arrebataram corações do Egito no Festival de Cairo na primeira semana do evento, que entra em sua reta final, flertando com potenciais concorrentes ao Oscar
Iniciado numa ponte com a Amazônia brasileira ao pegar carona nos barcos de "O Último Azul", de Gabriel Mascaro, exibido em sua abertura, no último dia 12, o 46º Festival do Cairo encerra suas atividades nesta sexta-feira, com uma projeção de um potencial concorrente ao Oscar de 2026: "A Voz de Hindi Rajab". Ganhador do Grande Prêmio do Júri em Veneza e da láurea de júri popular de San Sebastián, o novo filme da tunisiana Kaouther Ben Hania (responsável por "As 4 Filhas de Olfa"), debruça-se sobre o calvário do povo palestino a partir resquícios de uma tragédia real. A partir do áudio original de uma menina que ficou num tiroteio na Faixa de Gaza, em janeiro de 2024, a cineasta reconstitui a luta de um grupo de voluntários para tentar resgatá-la. Antes da projeção desse jogo de cena entre o real e a ficção, o júri presidido pelo artesão autoral turco Nuri Bilge Ceylan (diretor de "Sono de Inverno") anunca os ganhadores dos troféus mais esperados do evento egípcio, incluindo a Pirâmide de Ouro. Nas múltiplas latitudes do evento, sete longas ganharam holofotes, sob as bênçãos dos faraós. Confira os mais badalados.
"THE SILENT RUN", de Martha Bergman: Só a sequência inicial, em tons rubros terrígenos, com um casal a se amar como se o nosso mundo não estivesse ruínas, num espaço que parece um casulo, bastou para cacifar esta produção da Bélgica como um dos achados do Cairo, em 2025. É um estudo sobre imigração. No roteiro, os imigrantes Sara, Adam e sua filha de dois anos chegaram ilegalmente à Europa, por fronteiras belgas, e esperam finalmente conseguir chegar à Inglaterra. Amontoados com outros refugiados na parte de trás de uma van, eles provam do medo, que começa a prevalecer sobre a esperança. Um policial complicará a vida desse pessoal, colocando sua própria farda em xeque, num dilema ético acerca da intolerância.
"AS WE BREATHE", de Seyhmus Altun: Vinda da Turquia, essa produção fez barulho nos festivais de San Sebastián e de Toronto antes de bater ponto no Egito. Nela, somos levados a uma pequena cidade da Anatólia, no início dos anos 2000, onde o mundo cartesiano de Esma, de dez anos, desmorona silenciosamente após uma explosão em uma fábrica provocar um incêndio implacável. Enquanto a fumaça envenena a terra e sua família luta para sobreviver, a guria se agarra ao que resta de sua infância. Uma sequência com um pedregulho assombrou o Cairo. Defne Zeynep Enci é a intérprete de Esme e seu desempenho é acachapante.
"CALLE MÁLAGA", de Maryam Touzani: Eis o filme mais "já ganhou!" da disputa pela Pirâmide d'Ouro deste ano, com a diva madrilenha Carmen Maura numa afiada atuação. No sábado, o longa ganhou três prêmios noutro festival, o de Mar Del Plata, na Argentina: Melhor Filme, Melhor Atriz e Júri Popular. Musa de Pedro Almodóvar nos anos 1980, estrela de "Veneza" (2019), de Milhuel Falabella, Carmen vive María Ángeles, espanhola de 79 anos que mora sozinha em Tânger, no Marrocos, e aprecia sua rotina diária. No entanto, sua vida vira do avesso quando a filha chega de Madri para vender o apartamento onde sempre viveu. Determinada a ficar, María faz tudo o que pode para recuperar sua casa e seus pertences e, inesperadamente, redescobre o amor e a sensualidade.
"COMPLAINT Nº 713317", de Yasser Shafie: Uma deliciosa comédia que poderia fácil, fácil ser refilmada com Tony Ramos e Glória Pires. O roteiro acompanha Magdy e Sama, um casal de aposentados cuja vida tranquila em seu apartamento no distrito de Maadi é perturbada quando a geladeira quebra. O que começa como um simples conserto rapidamente se transforma em um confronto de meses com uma empresa de manutenção duvidosa, expondo não apenas as falhas do sistema, mas também imperfeiçoes nas vidas de seus protagonistas.
"THE THINGS YOU KILL", de Alireza Khatami: A Turquia vem emplacando cults sazonais em festivais e este thriller de franjas políticas é dos mais potentes trabalhos egressos daquela pátria. Assombrado pela morte suspeita de sua mãe doente, Ali, um professor universitário (vivido por Ekin Koç), coage seu enigmático jardineiro a executar um ato de vingança a sangue frio. Alireza venceu o prêmio de Melhor Direção em Sundance por suas destrezas narrativas.
"LOOKING FOR AYDA", de Sarra Abidi: Zeineb Melki é uma força da natureza à frente do papel título deste drama existencial da Tunísia. Na trama, Ayda trabalha há vários anos como operadora num call center. Ela tem quarenta e poucos anos e mora sozinha num apartamento. Passa os dias trabalhando, repetindo incessantemente as mesmas frases para estrangeiros do outro lado da linha. A rentabilidade é tudo o que importa em seu trabalho, até que o inesperado muda as regras dessa trama filmada pela realizadora de "Benzine" (2018).
"TRIANGLE OF LOVE", de Alaa Mahmoud: Eis aqui a principal descoberta documental do Cairo em sua maratona cinéfila deste ano, estruturada inteiramente de conversas, de confissões e de visitas a hospitais, entre esperas por consultas médicas que se tornam reflexões filosóficas. O foco é a luta da professora de Cinema Maha Al-Shenawy para sobreviver a um tumor. Alaa estudou com ela e tenta resgatar, por meio de sua batalha pela vida, a educadora resiliente que ela foi. Em meio a check-ups, o longa expõe as reflexões dela sobre o Divino e sobre o terreno.