Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

O parto de uma consagração para Lucy Liu

'A Mãe Obsessiva' ('Rosemead'), do realizador Eric Lin, acompanha o drama materno de uma mulher para não perder a conexão com o filho, tendo Lucy Liu em estado de graça em cena | Foto: Lyle Vincent/Divulgação

Atriz sino-americana arrebata corações no Egito, assim como fez em Locarno e em Nova York, à frente de 'Uma Mãe Obsessiva', que faz do 46º Festival do Cairo uma plataforma para o Oscar

Quicando com prestígio de festival em festival desde junho, quando estreou mundialmente em Tribeca, em Nova York, "A Mãe Obsessiva" ("Rosemead") vem colocando plateias do mundo todo de joelhos, a reverenciar a estonteante atuação de Lucy Liu. Impõe-se como um ímã de prêmios agora que a temporada do Oscar de 2026 está por começar. No fim de semana, a produção fez do Cairo um trampolim para mergulhar no afeto da Academia de Hollywood. A 46ª edição do CIFF, a maratona cinéfila do Egito, abraçou calorosamente esse drama sobre maternidade que pode oscarizar a estrela sino-americana de 56 anos. A realização é de Eric Lin, um diretor de fotografia experiente que se torna, enfim, cineasta, após anos a fio de dedicação à luz no set.

"Não é necessário um monólogo na tela para expressar o que uma personagem vive, mas é preciso estar aberto, na poltrona, para as sensações que um roteiro desperta. Os silêncios da mulher que eu interpreto são mais fortes do que suas palavras", respondeu Lucy ao Correio da Manhã, em coletiva via Zoom organizada pela Golden Globe Foudation.

O papo coincidiu com a passagem do longa pelo Festival do Cairo e com o lançamento online do trailer de "O Diabo Veste Prada 2", no qual Lucy contracena com Meryl Streep e Anne Hathaway. Alçada à popularidade na versão para a telona de 2000 do seriado "As Panteras", a protagonista de "A Mãe Obsessiva" foi, na sequência, eternizada como vilã, ao som de "Don't Let Me Be Misunderstood", em "Kill Bill: Volume 1" (2003). Em dezembro, Quentin Tarantino vai lançar uma versão diferente de seu cult, unindo as partes um e dois, da saga da Noiva (Uma Thurman) e Liu estará lá. Em paralelo, correrá o planisfério cinematográfico com o drama de Eric Lin, que dá voz às inquietudes de americanos de origem chinesa ou imigrantes asiáticos.

"Tem muita comédia feita com artistas da China, assim como filmes de ação, mas falta lugar para tramas dramáticas que investiguem conflitos internos. Muitas vezes as reações do povo asiático são confundidas com estoicismo por não gesticularmos tanto como outros povos. Pelo menos é o que pensam de nós, mas temos reações muito diversas no que veem como quietude", disse Lucy.

Ela dá um passo além na carreira à frente de "A Mãe Obsessiva", que a indústria audiovisual segue a chamar pelo título americano: "Rosemead". Situado no coração do San Gabriel Valley, com base numa história real, o filme é a saga de Irene, imigrante chinesa com doença terminal que descobre a perturbadora fixação de seu filho adolescente, Joe (Lawrence Shou) por tiroteios em massa. À medida que sua saúde se deteriora, ela toma medidas desesperadas - e moralmente complexas - para protegê-lo e enfrentar as trevas que o atraem. O enredo é perfumado de polêmica e calou fundo no coração do Festival do Cairo. "Espero que o filme gere debate, sobretudo em relação a questões que muita gente resume a problemas psiquiátricos, mas estão noutra ordem", disse Eric Lin, ao lado de Lucy na Zoom acima citada. "Eu cresci na região do vale onde filmamos e conheço bem cada espaço, cada loja".

Lucy lembra que o cineasta a levou para uma descoberta gastronômica em San Gabriel Valley:

"Eric me levou num restaurante oriental de macarrão que era ótimo. No processo de criação, o nosso montador, Joseph Krings, começou a edição pela última sequência que rodamos e foi retrocedendo na ordem do material filmado, o que nos deu um entendimento amplo do que fizemos, acerca do conflito de uma mulher que não percebe a tragédia a seu redor. O filme foi rodado como se fosse um thriller, onde você nunca sabe o que vai se passar a seguir", disse Lucy, que ganhou um troféu honorário pelo conjunto de sua trajetória na TV e no cinema no Festival de Locarno, na Suíça, onde "Uma Mãe Obsessiva" recebeu o prêmio do júri popular. "A Irene é uma solitária e, por uma série de questões culturais, não pode se expor. Perdeu seu marido, enfrenta um tumor, pode ver o seu filho em risco. Isso tudo é visto pelas pessoas ao seu redor como uma questão de saúde mental, mas ninguém verbaliza a solidão que ela enfrenta".

Sintonizado com atuações devastadoras como a de Lucy em "A Mãe Obsessiva", o Festival do Cairo oferecerá uma apoteose para a madrilenha Carmen Maura nesta segunda. Ela vai brilhar em telas egípcias na produção marroquina "Calle Málaga", de Maryam Touzani. A diva de Almodóvar vive María Ángeles, espanhola de 79 anos que mora sozinha em Tânger, no Marrocos, e aprecia sua rotina diária. No entanto, sua vida vira do avesso quando a filha chega de Madri para vender o apartamento onde sempre viveu. Determinada a ficar, María faz tudo o que pode para recuperar sua casa e seus pertences e, inesperadamente, redescobre o amor e a sensualidade.

O CIFF segue até o dia 21.